ESG: como evitar o retrocesso?

Por Edmond Sakai
No início do ano, escrevi um artigo falando como o ESG “explodiu” em 2020, em que abordei os avanços nos temas tratados pela sigla – meio ambiente, impacto social e governança – pelas grandes empresas e pelo mercado financeiro, e também as limitações que ainda existem para que o ESG de fato se consolide como um padrão.
De fato, se 2020 foi o “ano do ESG”, 2021 está sendo o ano do reconhecimento das limitações deste conceito e de muito debate sobre como avançar nos KPIs e métricas que avaliam os impactos socioambientais das empresas e investimentos.
Recentemente, li um ótimo artigo na Harvard Business Review que trata justamente deste tema. Os autores, Michael O’Leary e Warren Valdmanis, entendem do assunto: eles são cofundadores do fundo de investimento de impacto da Bain Capital, uma das maiores firmas de investimento do mundo, e coautores do livro “able: The Rise of Citizen Capitalism”, que discorre sobre como as grandes empresas podem ser responsabilizadas por seus impactos negativos no meio ambiente e na sociedade e assim, deixarem de ser problemas e se tornarem soluções para as graves crises que nos assolam, como a aceleração da desigualdade social e das mudanças climáticas.
A ascensão do capitalismo responsável
No artigo, que condensa a tese apresentada no livro, O’Leary e Valdmanis elencam exemplos de empresas que geraram muito buzz com ações focadas em sustentabilidade ou impacto social, mas cujo impacto real foi, para dizer o mínimo, decepcionante.
Eles lembram que, sem dúvida, houve avanços importantes nos últimos anos no movimento para reformar o capitalismo e reorientá-lo da mera busca do lucro para a realização de propósitos mais profundos, como eliminar a pobreza extrema e cortar a emissão de gases que geram as mudanças climáticas.
O Business Roundtable, importante organização que reúne CEOs das maiores empresas americanas, publicou em 2019 sua redefinição do propósito de uma corporação, se afastando do princípio de priorizar os shareholders (acionistas) para abarcar os stakeholders (todos os envolvidos nas atividades da empresa, inclusive funcionários, consumidores e a sociedade em geral).
Além disso, investidores que, reunidos, gerenciam US$ 100 trilhões em ativos, am os Princípios das Nações Unidas para o Investimento Responsável (PRI), que promovem um foco maior no ESG para investimentos.
Mas eles afirmam que é preciso ter uma dose de ceticismo sobre essas iniciativas recentes, e lembram que o compromisso de investir com maior responsabilidade, por enquanto, é apenas isso: um compromisso.
Ainda não vimos um impacto real de todas essas promessas. Eles mostraram uma pesquisa realizada ano ado apontando que não houve uma melhora nos indicadores de despenho socioambiental nas empresas que receberam investimento dos signatários dos Princípios da ONU.
Segundo os pesquisadores, os signatários “usam o status dos PRI para atrair capital sem fazer mudanças significativas em suas políticas de ESG”.
Os autores afirmam que, quando empresas e investidores fazem compromissos pouco sinceros ou exageram nas promessas de transformação, há o risco de minar o trabalho real feito por quem se compromete de fato com essa transformação.
Os consumidores estão atentos e cobrando as empresas por transformações reais, e quando se deparam com ações que são puro marketing, tendem a achar que tudo é marketing, criando um retrocesso que afeta também quem faz o trabalho bem-feito.
Como evitar o retrocesso
Segundo eles, há três caminhos para garantir que as empresas realizem, de fato, esses compromissos:
1 – Empresas devem ser obrigadas a reportar sobre seu impacto socioambiental com métricas claras, padronizadas e fáceis de entender. Hoje em dia, as empresas decidem quais dados reportar, e acabam enfatizando aqueles onde vão bem e escondendo os que vão mal. Eles lembram que, no século ado, os relatórios financeiros aram por um processo bem-sucedido para se tornarem mais estandardizados, transparentes e auditáveis, além de obrigatórios.
2 – Empresas devem ser responsabilizadas por suas práticas, o que já está acontecendo, com consumidores e funcionários se organizando para demandarem mudanças efetivas, seja na pegada ambiental das atividades ou na política de gestão de pessoas. Mas faltam os investidores, que têm o maior poder para responsabilizar as empresas, exercerem esse poder de forma efetiva.
3 – Empresas que levam a sério o compromisso de serem mais ambientalmente e socialmente responsáveis e inclusivas devem colocar esses propósitos em seu estatuto e se tornarem “benefit corporations” (corporações beneficentes), um tipo de pessoa jurídica que explicitamente balanceiam a busca pelo lucro com um benefício público declarado. Hoje, há nos EUA 3.500 corporações beneficentes certificadas.
O artigo encerra com uma advertência forte para os grandes líderes empresariais: “se os capitalistas não forem capazes de reformar o capitalismo, o capitalismo será reformado para, e não por eles.
Lembrando que eles falam do contexto norte-americano, o público já está bastante desconfiado das grandes empresas: apenas cerca de metade dos adultos dos EUA possuem uma visão positiva do mundo corporativo.
No Brasil, a pressão também deve aumentar
Pressionados pelos eleitores, o poder público nos EUA, tanto no Executivo e Legislativo quanto no Judiciário, deverá fortalecer regulações e ter um papel mais ativo para corrigir injustiças sociais e garantir controles na emissão de poluentes e na destruição de ecossistemas que evitem os piores efeitos do aquecimento global. O novo governo
do presidente Joe Biden começou com iniciativas consistentes nesse campo. Então, faz sentido lógico que os líderes das principais empresas e grandes investidores ajam proativamente e tenham retornos em imagem positiva na sociedade, que também resulta em faturamento e lucro.
Aqui no Brasil vejo um cenário similar, guardadas as proporções de tamanho da economia. Nosso país tem uma posição estratégica no debate ambiental, com a Amazônia e outros biomas essenciais localizados aqui.
É preciso dizer ainda que nossos históricos problemas sociais vivem um momento crítico, de piora das condições de vida de grande parte da população, como reflexo da pandemia e outras questões conjunturais.
Apesar dos nossos muitos problemas, temos uma economia robusta, com grandes empresas e um mercado financeiro pujante. Certamente, eles serão cada vez mais cobrados pelos cidadãos a fazer sua parte.
E precisam tomar a frente. Da minha parte, vejo que muitos já estão fazendo isso, e essa conscientização só cresce. A pandemia acelerou esse processo, mas não podemos perder o ímpeto quando a situação atual melhorar. Sigamos em frente!
*
Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.
06/10/2021 @ 08:30
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