ESG avança, mas ainda há limitações e imprecisões nos índices socioambientais e de governança

Por Edmond Sakai
Recentemente escrevi um artigo sobre o greenwashing e o socialwashing e, como o antídoto a essas práticas pode ser o chamado ESG (Environment, Social and Governance) Investing, ou investimento com foco em métricas ambientais, sociais e de governança. Essa modalidade está crescendo e atraindo investidores preocupados com os desafios para a preservação do meio ambiente, principalmente as mudanças climáticas, e para a superação da desigualdade e injustiças sociais.
Neste artigo, vou me aprofundar um pouco no ESG, resumindo sua definição e o que ele é ou não capaz de fazer, com um olhar esperançoso, mas também crítico. Afinal esse conceito, ainda recente, tem muito a evoluir.
Definição de ESG
O ESG é um termo genérico que serve como “guarda-chuva” para diversas modalidades de investimento reconhecidas pelas principais entidades financeiras globais. Dentro deste escopo, entram, por exemplo, o investimento de impacto (impact investing), investimento socialmente responsável (socially responsible investing, ou SRI), e o investimento baseado em valores (values-based investing). Em comum, estes investimentos buscam retornos efetivos, ao mesmo tempo em que geram impactos positivos de longo prazo para a sociedade.
Na prática, o ESG é o conjunto de métricas e KPIs de análise que avaliam como determinada empresa, ou mesmo um setor inteiro, gerenciam suas externalidades socioambientais, desde o impacto causado por poluentes de uma indústria, até como uma empresa lida com questões de diversidade ética e de gênero em sua equipe.
Ainda há uma percepção errônea de que a preocupação com questões ambientais e sociais impactam negativamente no desempenho financeiro de uma empresa. A evolução dos índices ESG mostra o contrário. Empresas com políticas sérias de responsabilidade socioambiental, que trazem resultados positivos para o meio ambiente e na sociedade, demonstram melhor desempenho financeiro a longo prazo. Por isso, o ESG tem cada vez mais atraído investidores que pensam além dos índices diários das bolsas e planejam sua estratégia de investimento em termos de décadas. As pesquisas mais recentes indicam que os investidores mais jovens, da geração millenials (nascidos entre 1980 e 1996), que já estão no mercado, são os mais preocupados com as consequências de suas decisões de investimento.
Limitações e desafios do ESG
O investimento de impacto social começou a tomar corpo na década de 1970, primeiramente numa chave “negativa”, ou seja, no sentido de excluir empresas de setores percebidos como moralmente negativos pela opinião pública, como as indústrias de tabaco, armamentos, jogos de azar e entretenimento adulto. Com o ar do tempo, foi se percebendo como esse escopo era estreito e limitado, pois praticamente todos os setores da economia possuem externalidades negativas em suas atividades, principalmente em relação à poluição e impacto ambiental, mas também em comunidades atingidas pelas diversas cadeias de produção.
Nas décadas de 1980 e 1990, a sociedade civil organizada ou a pressionar cada vez mais as empresas a atuarem de forma proativa para limitar essas externalidades negativas de suas atividades. As corporações aram a divulgar ações de responsabilidade socioambiental como parte de sua estratégia de comunicação e marketing. Mas, muitas vezes, essas ações eram focadas mais em criar essa percepção positiva do que em gerar impacto de fato. Daí surgiram termos como greenwashing, pinkwashing e socialwashing.
O foco nos KPIs de performance socioambiental deu ao ESG credibilidade para atrair investidores de fato comprometidos com estas temáticas, mas o ESG não é imune a críticas e tentativas de “washing”. O conceito ainda é recente, e embora haja muito esforço nesse sentido, falta padronização de métricas e índices, e até sobre o que de fato caracteriza o ESG, que pode significar coisas diferentes para investidores diferentes.
Estudos compilados pela consultoria Miranda Partners mostram essas limitações. Sobre o comprometimento dos investidores, uma pesquisa mostrou que fundos dos EUA signatários dos Princípios de Investimento Sustentável (PRI) da ONU receberam um aumento consistente de fluxo de recursos, mas não melhoraram suas pontuações ESG e foram menos propensos a votar favoravelmente a temas socioambientais, indicando que o comportamento dos investidores não foi positivamente influenciado pelo comprometimento com os PRIs.
O compilado também mostra que há dificuldade em convergir as métricas do tripé ESG (ambiental, social e governança) em índices consistentes. Ter um índice unificado seria um o importante para a consolidação do ESG, mas ainda há muita imprecisão e discrepância. Não são poucos os casos em que empresas são bem avaliadas por uma agência e tem um rating negativo em outra. A unificação e padronização dos diferentes critérios ainda é um trabalho a ser feito. E as próprias empresas ainda têm dificuldades em apresentar relatórios anuais de sustentabilidade e responsabilidade social com indicadores precisos.
Empresas que trabalham bem o ESG
No Brasil, a B3, que istra a Bovespa, criou em setembro de 2020, em parceria com a Dow Jones S&P, o índice Brasil ESG, com empresas brasileiras avaliadas pelos critérios de ESG da maior provedora global de índices de mercado. O índice tem apresentado bom desempenho, e entre as empresas que fazem parte dele, destaco a Natura. O comprometimento ambiental dessa marca brasileira de cosméticos já é bastante conhecido, mas a Natura está investindo fortemente no front social, em especial nas áreas de Diversidade e Inclusão, e está sendo recompensada pelo mercado. Lembro-me bem de uma campanha de Dia dos Pais da marca que foi ao ar em 2020, trazendo o ator Thammy Miranda, que foi muito criticada por grupos conservadores, mas os investidores não se abalaram e as ações da empresa valorizaram 6,73% no dia em que o ator divulgou em suas redes sociais um vídeo ao lado do filho, como parte da campanha. Nos últimos anos, as ações da Natura na Bovespa valorizaram cerca de 500%.
Em termos globais, empresas como Nike, HP e Oracle têm obtido bons retornos após implementarem políticas em acordo com as metas de ESG. Um caso particularmente interessante é a Accenture, gigante do setor de consultoria em tecnologia e inovação. A empresa é consistentemente líder nos rankings de diversidade e inclusão em sua equipe global, e teve uma valorização consistente de suas ações nos últimos anos, refletindo um robusto crescimento em faturamento e lucro.
Estamos avançando, mas ainda há muito a fazer, e o planeta tem pressa. Os desafios socioambientais nas próximas décadas são imensos, e a ainda pandemia da Covid-19 mostra como externalidades não previstas causam impactos econômicos e sociais vultosos. Mas, o importante primeiro o de criar um consenso de que a preocupação com os temas socioambientais é fundamental para a sustentabilidade financeira das empresas já foi dado. Agora é refinar e trabalhar em cima de dados confiáveis.
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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em istração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.