Economia circular pode combater pobreza menstrual, diz especialista
Direitos HumanosPara Isabela Bonato, do Movimento Circular, a sustentabilidade pode ser um caminho efetivo para combater pobreza menstrual. Em enquete realizada pelo UNICEF, 19% das mulheres que menstruam disseram não possuir dinheiro para comprar absorventes

Por Lucas Neves
A falta de o à saúde, infraestrutura e conhecimento relacionado à menstruação ainda atinge uma parcela significativa das brasileiras. Nomeado como pobreza menstrual, esse problema pode gerar complicações às mulheres no campo social e de saúde. Para a embaixadora do Movimento Circular, Isabela Bonato, a economia circular oferece um caminho transformador para a dignidade menstrual no Brasil.
Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor (OTS), Isabela afirmou que a economia circular pode ser uma força propulsora para a mudança deste cenário, fomentando “novas pesquisas, designs inovadores e políticas de incentivo para marcas que queiram investir em soluções ecológicas”, disse.
Economia circular: conceito que apresenta um modelo de produção e consumo sustentável, focado em práticas como reutilização e reciclagem.
A embaixadora do Movimento Circular destacou os benefícios da implementação em larga escala desse método no contexto menstrual. Para ela, os aspectos econômicos seriam um dos mais favorecidos, uma vez que os produtos sustentáveis possuem longa durabilidade, devido ao reuso.
Em 2024, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) realizou enquete relacionada à menstruação, com resposta de mais de 2 mil brasileiras entre 13 e 24 anos. Como resultado, o estudo revelou que 19% das respondentes não possuem dinheiro para comprar absorventes, evidenciando a falta de recursos financeiros como um empecilho para a dignidade menstrual.
Desafios da economia circular na saúde menstrual
Apesar dos prós, a implementação da economia circular no contexto brasileiro precisa superar uma série de desafios. Isabela comentou que as diferentes realidades regionais possuem seus próprios obstáculos, dificultando a adoção de medidas efetivas.
Entre as principais adversidades, ela citou as barreiras culturais, falta de informação e o custo inicial elevado dos produtos. “Atualmente, o mercado ainda apresenta poucas opções sustentáveis — como absorventes reutilizáveis, calcinhas menstruais e coletores —, e muitas delas são pouco conhecidas, pouco popularizadas ou testadas pela população”, disse.
Outro ponto levantado pela especialista foi a falta de infraestrutura básica. A pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”, lançada em maio de 2021 pelo UNICEF e o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), mostrou que 713 mil meninas viviam sem o a banheiro ou chuveiro em seu domicílio no Brasil.
“Produtos reutilizáveis demandam água potável e saneamento para higienização correta. Em locais sem energia estável ou o a gás, ferver coletores menstruais, por exemplo, torna-se um desafio prático — especialmente quando outras necessidades básicas são prioritárias” — Isabela Bonato
Nesse sentido, a embaixadora do Movimento Circular alertou para a necessidade de uma parceria multissetorial para a implementação da economia circular no contexto de menstruação. “Governos, universidades e empresas precisam colaborar para fomentar testes, divulgar informações e criar infraestrutura que permita a adoção em larga escala”.
Ela também destacou a importância de parcerias e projetos com organizações do terceiro setor para reduzir o custo e aumentar o o aos produtos sustentáveis. “Assim, podemos transformar a economia circular em uma ferramenta efetiva contra a pobreza menstrual considerando desafios específicos”.
Terceiro setor em prol da dignidade menstrual
Neste mês de março, o Instituto Sabin realizou a campanha de enfrentamento da pobreza menstrual. A iniciativa ocorre em 14 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, focando na arrecadação de absorventes em unidades do Sabin Diagnóstico e Saúde espalhadas pelas diferentes regiões do país.
Os itens doados são distribuídos entre entidades que atuam na proteção à saúde menstrual de mulheres em situação de vulnerabilidade. Gabriel Cardoso, gerente executivo do Instituto Sabin, contou ao OTS sobre o trabalho da organização na vida de mulheres em situação de vulnerabilidade social.
“Atuamos com diversos programas voltados para essa população, não exatamente com um intuito específico voltado à pobreza menstrual, mas, sim, às necessidades desse público como um todo”, pontuou. Além da campanha para dignidade menstrual, realizada anualmente, Cardoso afirmou que o instituto possui um “programa responsável por empoderar times para capacitação de pessoas em comunidades, de forma que elas aprendam a produzir o próprio absorvente”.
Impacto da pobreza menstrual no bem-estar da mulher
A pobreza menstrual prejudica o bem-estar das mulheres de diversas formas. Com a atuação no Instituto Sabin, Cardoso afirmou ser comum relatos sobre o uso miolo de pão e jornal como absorvente e alertou para os riscos à saúde.
“Pode gerar infecções urogenitais, lesões, irritações na região íntima, porque muitas mulheres acabam utilizando materiais inadequados ao invés do absorvente” — Gabriel Cardoso
Fora isso, o gerente executivo do Instituto Sabin alertou para as consequências sociais, citando o absenteísmo. “ Meninas em idade escolar e mulheres em idade laboral, por exemplo, podem necessitar se abster de compromissos essenciais, impactando diretamente a educação e renda delas”.
A soma de todos esses percalços acaba perpetuando o ciclo de pobreza. Afinal, são problemas que geram restrições, além de afetar a liberdade, autonomia e as oportunidades das mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Programa Dignidade Menstrual
Em 2023, o Governo instituiu, por meio de um decreto, a criação do Programa Dignidade Menstrual, cujo foco é disponibilizar absorventes para pessoas de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública ou em situação de vulnerabilidade. Ademais, o projeto busca conscientizar e naturalizar o ciclo menstrual, promovendo equidade de gênero, justiça social, educação e direitos humanos.
Atendendo todo o país, o programa é um trabalho colaborativo entre os ministérios da Saúde, das Mulheres, da Justiça e Segurança Pública, da Educação, dos Direitos Humanos e da Cidadania e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Em nota divulgada em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde afirmou que o Programa Dignidade Menstrual beneficiou cerca de 2 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade ou de baixa renda. Os dados se referem a 2024, primeiro ano de execução da iniciativa.
Dignidade menstrual nos presídios brasileiros
O Conexão 3, podcast do Observatório do Terceiro Setor, conversou com a Helen Baum, educadora, egressa do sistema prisional, mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Durante o episódio, ela falou sobre a realidade das mulheres presas no país e contou sobre os projetos sociais que atua, o qual realiza doação de absorventes nos presídios.
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