E alguém pulou da ponte Brasil neste fim de ano

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Foto: Adobe Stock | Licenciado

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite

O fim de ano é uma época desafiadora. Apesar de todos nós sabermos disso, sempre nutrimos uma expectativa secreta de que a família voltará a se unir, que ressentimentos sejam superados, que o destino acene com melhores perspectivas, novos ares. Por mais deprimidos ou machucados todos aguardamos, por mais que possamos não itir. A ilusão e a esperança são motores da condição humana mesmo que piegas ou improváveis. Vivemos de alucinação desde a Pré-História. Basta resgatar que a própria origem mitológica do Papai Noel nasce, provavelmente, de ritos entre os esquimós que contam com cogumelos psicodélicos como aditivos. O mais curioso é que esta esperança se dá numa encruzilhada do tempo ado – de resgate do que já foi, anterior aos lutos acumulados da vida – e de futuro.

E, justamente nesse improvável e utópico “ado-futuro” do fim de ano, o sofrimento de encarar o presente e de aceitar que este é construído de escolhas, equívocos, acertos em que existe um grande componente de autonomia e responsabilidade individual. E como isso no fundo dói!

Mas neste fim de ano bastante particular para o país, mortificado numa quadra de doença, morte, pobreza, necropolítica e desumanização, eis que alguém desiste: Um suicídio de alguém que, provavelmente ao considerar todas estas reflexões, turbinado por decepções extras e uma dose de coragem alcóolica, opta por desistir.

Ao ar de carro pela ponte onde esta pessoa desistiu, em plena tarde de uma cidade de alto padrão de vida no interior do país, observo policiais, bombeiros e pessoas curiosas no limite da morbidez. Possivelmente, vão divulgar as imagens em algum grupo de Whatsapp como mote para conversas banais. Ultimamente vídeos e fotos de pessoas mortas ou mutiladas têm sido viralizadas no Brasil. Em geral são de “bandidos”, que tiveram seu “F cancelado” por que “mereceram”. “Ainda bem que sou um cidadão de bem”. Ufa!

Mas, com o suicida talvez seja um pouco diferente: No fundo, temos plena consciência do fio frágil que nos limita desistir da vida. Sim. “Setembros Amarelos”, psiquiatras, psicólogas e psicólogos e ceias de Natal jamais serão suficientes para espantar a radicalidade da decisão pela morte. As evidências científicas trazem que um país em crise, individualista, selvagem, com o pleno a armas de fogo, álcool e drogas vivendo uma epidemia de solidão e perda de conexão comunitária colabora que as estatísticas de suicídio aumentem gradativamente.

Neste fim de 2022, estamos todos à beira da Ponte Brasil: Tivemos uma brisa de esperança, mas no fundo todos pensamos em alguma forma de desistência. E isso assustou… Que possamos recuar, olhar para quem está na iminência do abismo num grande segurar de mãos. Chegamos perto. Muito perto. Que nos sirva de lição da parte que nos cabe.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

 

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.


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