Direitos Humanos: Versão tropical brasileira

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Analisar a conjuntura do Brasil tem sido algo extremante difícil e ao mesmo tempo doloroso frente ao retrocesso veloz em todos os campos. Não somente isso, mas verificamos que não nos livramos da velha cultura escravocrata, individualista e cruel que assola a grande maioria dos brasileiros, seja nos comportamentos da nossa classe política seja nos acontecimentos do nosso cotidiano.

Nesse sentido, não é surpresa o ataque frontal aos direitos humanos do atual governo de extrema direita, validado e apoiado por uma parte da população. Muitas vezes até pelos que mais sofrem.

O projeto de liberação de armas para a população, a criminalização dos movimentos sociais e das ONGs, a violência contra a população LGBT, pobres, negros, mulheres e periféricos fazem parte central do projeto de governo de Jair Bolsonaro e sua equipe.

O discurso de uma parte da grande mídia e de uma parte de grupos da sociedade civil valida esse projeto quando é divulgado à população que direitos humanos “é coisa de bandido”, ou melhor, “é coisa desse pessoal de esquerda que defende bandido”, sejam eles pessoas em situação de rua, presos, egressos entre outros. Somam-se ainda os que pensam que direitos humanos é uma pessoa que visita a casa dos “vagabundos” para dar comida, roupas, remédios e um dinheirinho.

Isso nos mostra a ausência de uma educação ampla na sociedade, voltada para importância dos direitos humanos, no entendimento de que são direitos de todos. Pacto de civilidade de conquistas históricas que foram e são construídos continuamente por meio das inúmeras lutas travadas no seio da sociedade civil e dos movimentos.

O que fazer diante desse atual governo que não tem nenhum compromisso na defesa dos direitos humanos? O que fazer diante de uma grande parte da sociedade que desconhece a real importância da defesa dos direitos humanos, como direitos de todos? O que fazer diante de uma grande parte da mídia que todos os dias valida a desinformação e incentiva a violência?

Tais questões têm sido abordadas em encontros, palestras, rodas de conversas por diversos grupos da sociedade civil, organizações e coletivos. Todos indignados e ansiosos para compreender esses pontos latentes que emergiram com toda a intensidade em tempos de retrocesso. Resistir tem sido a palavra que norteia e abre um caminho para a “esperança na ação”. Por outro lado, existem outros grupos, como o exemplo que escutei recentemente de alguns conhecidos. Eles afirmam que a melhor maneira de enfrentar a atual conjuntura, que não é das piores segundo eles, é continuar trabalhando, cuidando da própria família, comendo, bebendo e, é claro, esquecer essa “lorota” de direitos humanos.

Frente a essa avalanche da versão tropical brasileira de direitos humanos, só consigo pensar o quanto esse país é extremante contraditório, estruturalmente desigual, excludente e perverso, que tem de um lado uma elite cruel e de poucos privilegiados e do outro a maioria do povo, que é massacrado e violentado todos os dias. Como dizia Paulo Freire, um povo que foi roubado o direito de ser e de existir.

Nada mais atual que a música “Querelas do Brasil”:

“O Brazil não conhece o Brasil

O Brasil nunca foi ao Brazil

O Brazil não merece o Brasil

O Brazil tá matando o Brasil

Do Brasil, SOS ao Brasil”

Márcia Moussallem

Assistente Social e Socióloga. Mestra e Doutora em Serviço Social (PUC/SP); MBA em Gestão para Organizações do Terceiro Setor. Professora Universitária. Publicou seis livros. Colunista do Observatório do Terceiro Setor.

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