Descomplicando a Seleção de Bolsistas: Boas Práticas para Editais Simples e Inclusivos no CEBAS-Educação

Por:
Janaína Rodrigues Pereira
Laís de Figueirêdo Lopes
Pedro Henrique Monteiro de Barros da Silva Néto
O início do ano é um período marcado pela abertura de processos seletivos para bolsas de estudo em diversas instituições filantrópicas. Embora a concessão de bolsas represente uma importante ferramenta de inclusão social, a complexidade de alguns editais pode se tornar uma barreira de o ao ensino em organizações que possuem o chamado “financiamento indireto” por meio do seu direito à imunidade tributária constitucional. Editais longos, sem divulgação, prolixos e repletos de remissões e normas internas acabam gerando mais dúvidas do que esclarecimentos, prejudicando tanto os candidatos quanto as próprias instituições.
A Lei Complementar nº 187/2021 e a sua regulamentação prevista no Decreto nº 11.791/2023 estabelecem critérios objetivos para a concessão de bolsas de estudos para as organizações que são detentoras do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS) na área de Educação. A simplicidade e a objetividade dos editais não são apenas boas práticas istrativas; são exigências legais que têm como objetivo ampliar o o, garantir a segurança jurídica do processo seletivo e assegurar a observância do princípio da universalidade.
A simplicidade no processo seletivo de bolsistas significa um edital objetivo e bem estruturado, fundamental para evitar insegurança jurídica e questionamentos istrativos ou judiciais. Além disso, quando as regras são objetivas, a entidade garante transparência e reforça sua credibilidade junto à sociedade e aos órgãos fiscalizadores, fortalecendo a política CEBAS-Educação.
Ao priorizar uma comunicação direta e objetiva, as organizações evitam a reprodução de modelos prontos que, muitas vezes, são inadequados à sua realidade. Definir o propósito do processo seletivo, o tipo de bolsas ofertadas e cobertura alcançada é o primeiro o para assegurar a lisura do edital. Informar o público-alvo, os canais disponíveis para inscrição e recurso, além de fixação de prazos razoáveis é igualmente importante para garantir que os interessados tenham conhecimento de quem pode e como participar do processo. Apresentar o cronograma e os critérios de seleção de maneira precisa evita dúvidas e reduz a possibilidade de questionamentos futuros.
Além disso, é fundamental disponibilizar uma lista objetiva de documentos que deverão ser apresentados pelos candidatos, especificando em qual etapa do processo cada um será solicitado. Inclusive, é importante também prever se haverá ou não devolução da documentação, disponibilização de cópias ou seu armazenamento em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 ou “LGPD”).
Como boa prática para editais, tendo em vista tratar de cumprimento de obrigação legal no caso de entidades certificadas com o CEBAS, é adequado indicar que os dados pessoais são coletados e tratados com o objetivo exclusivo de executar o processo seletivo em si, aferir as condições socioeconômicas dos candidatos e a análise de preenchimento de todos os requisitos necessários à concessão da bolsa. Também é importante dar conhecimento, mesmo que não haja necessidade do consentimento do titular de dados, sobre a possibilidade de compartilhamento dos dados pessoais com o Ministério da Educação – MEC, Receita Federal do Brasil – RFB, Controladoria-Geral da União – CGU e Tribunal do Contas da União – TCU.
Destacamos, ainda, que a realização do processo seletivo de bolsistas deve observar a (LGPD) desde a sua concepção até a concessão das bolsas, pois a entidade estará lidando com dados pessoais, inclusive sensíveis, necessários à verificação da situação socioeconômica do candidato para demonstrar o cumprimento de uma exigência legal, no caso, o respeito aos requisitos específicos previstos na Lei Complementar nº 187/2021.
A norma de proteção de dados garante ao discente e seus familiares que as exigências estejam alinhadas aos princípios da adequação e necessidade, por isso é recomendável verificar se os documentos e informações exigidos aos participantes são de fato necessários ao certame e se há justificativa para tal solicitação.
Ademais, no caso de dados pessoais de crianças e adolescentes, é imprescindível que a organização esteja apta a demonstrar que o tratamento destes dados está também alinhado e fazendo prevalecer o melhor interesse deste público (1), com a adoção das medidas de segurança da informação e de uso responsável de tais dados, de forma a conciliar os interesses legítimos e obrigações legais ou regulatórias da entidade com a promoção dos direitos individuais de proteção de dados e privacidade de crianças e adolescentes.
A descrição da metodologia utilizada para a apuração da renda familiar dos candidatos também é essencial para garantir transparência e previsibilidade. No que diz respeito à concessão das bolsas, os critérios de desempate e os prazos para apresentação de recursos pelos candidatos devem ser estabelecidos para assegurar que o processo seja justo e imparcial.
É imprescindível que as organizações detalhem as situações que poderão levar ao indeferimento da candidatura ou ao cancelamento da bolsa, além dos procedimentos para contestação. Também é importante prever a possibilidade de visitas domiciliares para validação das informações prestadas, indicar como a documentação será tratada de acordo com a LGPD e explicar os critérios para a renovação das bolsas em períodos subsequentes. Anexos que incluam modelos de declarações e formulários facilitam o preenchimento por parte dos candidatos, tornando o processo mais ível.
A normativa que rege o CEBAS-Educação exige que o edital seja amplamente divulgado, com publicação no site da mantenedora e da mantida, além de afixação em local público ível. Essa ampla divulgação é fundamental para assegurar que o maior número possível de pessoas tome conhecimento das oportunidades oferecidas pela entidade.
Ademais, uma boa prática é fazer uma sessão de esclarecimento sobre o processo a quem possa interessar. Com as tecnologias online, poderá ser transmitida para alcançar o maior número de pessoas. Um vídeo tutorial que explique o processo e tenha ibilidade em sua edição ajudará a atingir mais pessoas, incluindo as pessoas com deficiência.
Processos seletivos para concessão de bolsas não devem ser encarados apenas como uma obrigação legal, mas como um mecanismo de promoção da inclusão social e do o à educação de qualidade. As organizações que investem na simplificação de seus processos contribuem diretamente para a redução das desigualdades informacional, reforçam seu compromisso com a função social que exercem e potencializam a política pública de educação, contribuindo efetivamente para metas do Plano Nacional de Educação (2014-2025) direcionadas à universalização da educação básica e expansão da educação superior
Garantir que as regras sejam compreensíveis e íveis a todos não é um mero detalhe burocrático, mas uma responsabilidade que pode transformar vidas. Simplificar e esclarecer as regras são os importantes para cumprir essa função social e garantir que as bolsas cheguem, de fato, a quem mais precisa, ampliando o impacto positivo da educação na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor
Sobre os autores:
Janaína Rodrigues Pereira. Mestre em Democracia e Bom Governo pela Universidade de Salamanca. Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados). Atuou na istração Pública Federal (Ministério do Desenvolvimento Social) e municipal (Prefeituras de Osasco/SP e Campinas/SP) com foco em direito público, CEBAS e direitos das pessoas com deficiência.
Laís de Figueirêdo Lopes. Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra. Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados). Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, vinculado à Secretaria-Geral da Presidência da República, representando o Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor da PUC/SP.
Pedro Henrique Monteiro de Barros da Silva Néto. Mestre em Direito, Estado e Constituição, pela Universidade de Brasília (UnB) e Especialista em Direito Digital e Tecnologia, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados).
[1] Conforme Enunciado CD/ANPD 1/23, disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-divulga-enunciado-sobre-o-tratamento-de-dados-pessoais-de-criancas-e-adolescentes/Enunciado1ANPD.pdf.