Comprei, tenho dinheiro, mas não posso pagar

Por Beto Pereira
Pagar as compras no cartão usando a máquina pode ser algo simples para pessoas sem deficiência; para nós, 6,5 milhões de brasileiros cegos ou com baixa visão, até pagar um cafezinho pode representar uma grande dificuldade.
Isso porque nem sempre o avanço das novas tecnologias, considera as nossas especificidades, nos deixando à margem de processos que poderiam ser mais inclusivos e íveis.
Um exemplo do que estamos falando são as máquinas de pagamento de crédito e débito com tela touch, que, por não possuírem teclados físicos que possam ser localizados pelo tato, nos impedem de pagar as compras com autonomia, segurança e ibilidade.
Essa situação constrangedora nos obriga a termos que revelar nossas senhas para pessoas próximas que eventualmente nos acompanham, ou pior ainda, para desconhecidos, o que representa um grande risco para a segurança de nossas informações confidenciais.
O assunto tem sido objeto de inúmeras denúncias nas redes sociais, e, por sua vez, as entidades de defesa de direitos têm denunciado os casos ao Ministério Público Federal, já que tal falta de ibilidade, afronta inúmeros dispositivos jurídicos, dentre eles, os assegurados pela LBI (Lei Brasileira de Inclusão) de 2015.
Diante desse cenário, fabricantes de máquinas de cartão de crédito e débito estão tentando reverter a falta de ibilidade com ações bem-sucedidas, outras nem tanto.
Algumas marcas já possuem ao menos um modelo totalmente ível, que foram avaliados e certificados por pessoas cegas e com baixa visão.
São equipamentos que além de possuírem teclado físico identificáveis pelo tato, permitem também que as informações do pagamento sejam ouvidas pelas pessoas cegas por um fone de ouvido e visualizadas com maior facilidade no display pelas pessoas com baixa visão, já que é possível ajustar os contrastes de cores e tamanhos mais adequados.
Outros fabricantes disponibilizam uma espécie de capinha tátil para serem acopladas na tela das máquinas quando os consumidores somos nós, pessoas com deficiência visual, mas tal tentativa é menos eficaz quanto à ibilidade e segurança das informações digitadas.
A grande fragilidade desse modelo ainda é que, em regra, o comerciante desconhece a finalidade dessas películas e não as encontram e disponibilizam quando necessário.
No nosso dia a dia, utilizamos tecnologias aliadas, como smartphones e computadores. Elas possuem recursos de ibilidade gratuitos e nativos capazes de verbalizar todas as informações mostradas na tela e com ajustes de tamanho e de contrastes no display.
Portanto, aqui, não estamos falando da deficiência como um obstáculo, mas sim, como uma barreira imposta por muitos fabricantes dessas máquinas “moderninhas” iníveis e pelas empresas que são as intermediárias entre essas marcas e os estabelecimentos.
Somos 18,6 milhões de brasileiros com alguma deficiência e como qualquer outro cliente, podemos e queremos ar os estabelecimentos comerciais e pagar nossas contas com ibilidade e segurança. Se o empresariado e o comerciante ainda não se deram conta disso, não apenas estão descumprindo a lei, como também carecem de visão de mercado.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: *Beto Pereira é sociólogo, jornalista, Assessor de Inclusão e ibilidade da Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual e a Pessoa Cega, e Presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB).