Como a filantropia deve se transformar nos próximos 10 anos para responder a desafios do futuro

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Foto: Adobe Stock | Licenciado

Por Edmond Sakai

Estamos chegando ao final do primeiro ano dos “anos 20” do século XXI. Um ano a menos para chegarmos a 2030, data-limite para que consigamos fazer as mudanças necessárias para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e garantir um futuro mais próspero, menos desigual e menos vulnerável às mudanças climáticas. A década começou de forma bastante difícil, com a pandemia da Covid-19 já chegando a dois anos e seus efeitos econômicos e sociais se agravando. Mas, assim como já podemos ver o fim da pandemia, com o avanço da vacinação, estamos olhando para frente e tendo a oportunidade de “reconstruir melhor” nossa sociedade nos próximos dez anos.

No Terceiro Setor, isto é, no universo das ONGs, os últimos anos também foram de grandes dificuldades e grandes oportunidades. A sociedade em geral tem cada vez mais entendido como as organizações não-governamentais, que são uma expressão da própria sociedade civil, têm um papel fundamental complementando o Estado e o setor privado em trazer as soluções que precisamos para construir um mundo melhor. Mas o Terceiro Setor ainda pena para arrecadar recursos, ter uma gestão mais profissional, inclusive de recursos humanos, e sair daquele ciclo de sobrevivência até o próximo projeto e se estruturar mais a longo prazo.

Assim, pensei em, neste começo de ano, falar um pouco sobre as transformações que o Terceiro Setor e as entidades filantrópicas precisam empreender na próxima década para aumentarem seu impacto positivo na sociedade e serem lideranças no enfrentamento dos nossos grandes problemas. Me baseei na pesquisa realizada por Gabriel Kasper, Justin Marcoux e Jennifer Holk, do Monitor Institute by Deloitte, com mais de 200 profissionais, executivos, doadores, membros de conselho, especialistas e empreendedores sociais, com o tema: “Qual será o futuro da filantropia na década de 2020”.

O estudo buscou responder a questões como “e se a agilidade e a inovação fossem priorizadas sobre processos meticulosos e resultados bem definidos?”, o que dialoga com o estilo de fazer filantropia de Mackenzie Scott, de quem já falei aqui. Apesar dessas promessas de grandes transformações, nos Estados Unidos, onde a pesquisa foi realizada, o sistema da filantropia já é antigo e muito estruturado, o que acaba desencorajando grandes mudanças. De qualquer forma, esse sistema também tem sido bastante criticado e precisa se atualizar para fazer frente às mudanças demográficas, culturais e sociais das últimas décadas.

Entre os sete principais fatores que levarão a mudanças na próxima década estão:

  1. Desigualdade econômica: ao mesmo tempo em que produz tremendos novos desafios e necessidades nas comunidades, também gera grandes riquezas que impulsionam a filantropia.
  2. Polarização política extrema: divide as comunidades em linhas partidárias, politiza questões que antes eram apolíticas e torna mais difícil à filantropia se manter alheia à esfera política.
  3. Mudanças demográficas: mudam o perfil das comunidades, doadores e temas que querem abordar. A filantropia tradicional, ainda muito branca, masculina e mais velha, dá lugar a um grupo mais diverso.
  4. Avanço da justiça racial: após décadas de trabalho dos ativistas, as organizações estão reconhecendo o racismo estrutural em suas ações externas, também nas práticas e culturas internas.
  5. Tecnologia e o à informação ubíquos: permitem às pessoas se comunicar e se conectar facilmente, reunir e compartilhar dados, coordenar e organizar ações de novas formas, mas também criam novos problemas e desafios.
  6. Estado de emergência climática: deve exacerbar problemas existentes ou atrapalhar os planos de uma comunidade ou entidade doadora. A filantropia deve se mostrar presente para agir e responder a esse “novo normal”.
  7. Contrato social em fluxo: está fundamentalmente transformando como as pessoas se relacionam com as instituições de negócios, governo, e do terceiro setor, e como esses diferentes setores se relacionam um com o outro.

Nenhuma dessas forças é nova, mas elas estão se combinando e acelerando de formas complexas, fundamentalmente transformando nossas vidas e comunidades.

Experimentando novas abordagens

Doadores têm testado novas formas de realizar a filantropia, e a pesquisa identificou quatro tendências que têm dado bons resultados:

  • Repensar o papel da filantropia: O exemplo de Mackenzie Scott salta aos olhos, mas outros grandes doadores, como a Omidyar Network, têm liderado projetos com metas ambiciosas, como “reimaginar o capitalismo”. No geral, valorizar os talentos das organizações sociais, responder com maior flexibilidade às necessidades das comunidades e promover inovação são formas de a filantropia fazer mais.
  • Balancear o poder: O aumento da conscientização sobre as disparidades econômicas, raciais e sociais enfatizaram a dinâmica de poder desequilibrada da filantropia. Algumas organizações estão tentando mudar isso direcionando recursos para ações lideradas pelos próprios representantes das comunidades.
  • Alavancar recursos alheios: A filantropia não possui sozinha os recursos para resolver todos os problemas. Mas os doadores estão ficando mais sofisticados quanto a como eles influenciam e alavancam os recursos de outros atores – não apenas trabalhando com outras fundações e doadores, mas também com grandes empresas e fazendo trabalho de advocacy para influenciar como o orçamento público pode ser mais bem utilizado.
  • (Re)desenhar a organização:  As fundações filantrópicas muitas vezes possuem uma estrutura organizacional desenhada há muitas décadas, com tradições que inibem mudanças necessárias. Mas, mesmo fundações tradicionalíssimas como a W.K. Kellogg Foundation têm adotado métodos “agile” e outras abordagens inovadoras vindas de outros setores.

As transformações, seja na filantropia ou na sociedade, muitas vezes são mais lentas do que gostaríamos. Mas, mesmo que não percebamos, tudo está sempre se transformando. Tenho certeza de que, em 2030, teremos um cenário bem diferente do atual, e vai mudar para melhor!

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Sobre o autor:

Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional de serviços médicos Operation Smile. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.


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