Colonizadores mataram indígenas no Brasil dando brinquedos infectados
Relatos registrados ao longo da história do Brasil mostram o uso proposital de doenças como armas biológicas contra povos indígenas, do Brasil colonial aos dias de hoje

Relatos registrados ao longo da história do Brasil mostram o uso proposital de doenças como armas biológicas contra povos indígenas, contribuindo para dizimar grande parte das tribos que existiam originalmente nesse território.
Um avião sobrevoa os campos e despeja dos céus brinquedos infectados pela gripe. Criadores de gado atraem uma tribo desavisada a um povoado que enfrenta uma grave epidemia. Fazendeiros largam estrategicamente pelo chão mudas de roupas contaminadas com varíola. Esses são alguns relatos da maldade usada contra os indígenas pelos colonizadores do Brasil.
Ao descrever a investida de plantadores de cacau sobre as terras reservadas às tribos kamakã e pataxó, na Bahia do início do século 20, o antropólogo Darcy Ribeiro conta, no livro ‘Os índios e a civilização’, que os invasores lançavam mão de “velhas técnicas coloniais”, como o “envenenamento das aguadas” e “o abandono de roupas e utensílios de variolosos onde pudessem ser tomados pelos índios”.
O impacto devastador entre os indígenas de doenças trazidas pelos europeus ao Brasil é largamente conhecido. Além da baixa imunidade, os hábitos coletivos e a falta de tratamentos tornavam a população nativa especialmente vulnerável a doenças trazidas por estrangeiros, como explicou à BBC News Brasil o professor de antropologia da Universidade Estadual de Santa Cruz Carlos José Santos.
“Povos inteiros foram massacrados pelos contágios de doenças infecciosas. Aliás, muitos foram considerados extintos por elas, como é o caso dos goitacá”, diz Santos, que é indígena e conhecido pelo nome Casé Angatu.
Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional, ando de 3 milhões de indígenas em 1500, segundo estimativa da Fundação Nacional do Índio (Funai), para cerca de 750 mil hoje, de acordo com dados do governo.
Feito em 1967 e só divulgado ao público 45 anos depois, o Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader Figueiredo a pedido do governo militar, relata o uso de vários tipos de violência contra os indígenas por membros do órgão que deveria resguardá-los, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Entre os assassinatos, abusos sexuais, casos de tortura e corrupção denunciados, o relatório ressalta as acusações de que uma tribo de índios pataxó do sul da Bahia teria sido levada à extinção por uma infecção proposital.
“Jamais foram apuradas as denúncias de que foi inoculado o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do governo”, aponta o documento.
Em seu vasto relatório de 2014, a Comissão Nacional da Verdade identificou entre as causas para a morte de cinco mil indígenas cinta-larga em Mato Grosso e Rondônia, a partir da década de 1950, “aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola”, enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal.
Existem casos mais recentes. O pesquisador Rafael Pacheco cita casos ocorridos nas últimas décadas no Paraná e no Mato Grosso do Sul, em que proprietários de terra fizeram chover agrotóxico de um avião sobre as águas, terras e plantações de tribos avá-guarani, guarani e kayowa, causando sérios danos à saúde dos índios.
Para o antropólogo Casé Angatu, as doenças serviram desde o início aos interesses dos colonizadores.”As contaminações, propositais ou não, serviram e servem para espoliar terras indígenas e para o contínuo genocídio dos povos originários”, lamenta.
Fonte: BBC News Brasil