Cinco tendências da captação de recursos para 2025
Cultura de Doação
Em um artigo sobre as cinco tendências da captação de recursos para este ano, a autora, Rasheeda Childress, editora sênior de captação de recursos da Chronicle of Philanthropy destacou cinco cenários nos EUA, mas que – em minha opinião – servem para o Brasil, mesmo que seja a título de reflexão: lei de incentivo fiscal a expirar, avanço da inteligência artificial, Fundo Aconselhado por Doadores, diminuição de doadores e problemas financeiros das ONGs.
1-Mudanças na lei de incentivo fiscal
A lei norte-americana expira este ano e os legisladores serão muito cobrados pela sociedade civil organizada para aprovar uma nova legislação tributária mais benéfica.
De fato, a lei atual é um desestimulo à captação de recursos desde que foi aprovada em 2017. Childress mencionou um estudo feito pela National Bureau of Economic Research que descobriu que alterações na lei custaram às ONGs uma perda anual de US$ 16 bilhões em doações desde a sua aprovação. O motivo: a lei aumentou o limite de dedução resultando em menos pessoas usando o incentivo fiscal para doar.
Importante mencionar que incentivos fiscais existem nos EUA há mais de 100 anos e sua importância diminuiu pela primeira vez desde que o Congresso expandiu o limite de dedução em 2017. Hoje apenas um em cada 10 contribuintes se enquadra no limite. Como resultado, a maioria dos incentivos fiscais é usada por um pequeno grupo de ricos.
Considerando este o cenário nos EUA, uma coalizão bipartidária de ONGs foi formada e pressiona o Congresso focando não na diminuição do limite de dedução, mas na ampliação da dedução de doações “não específicas” a outras causas, isto é, as não favorecidas pela atual lei. Se isto for mesmo aprovado, doações poderão aumentar.
Espero um dia podermos viver este cenário aqui em nossas terras. Nem consigo imaginar o quanto o nosso Terceiro Setor (e as causas servidas por ele) poderia avançar com bilhões de reais em doações.
2-Integração dos avanços da Inteligência Artificial (IA) na captação
No ano ado, Childress constatou que muitos captadores começaram a usar a IA, seja para ajudar a escrever propostas de doação, lançar campanhas focando doadores inativos, seja até para interagir com seus doadores.
Mas à medida que a tecnologia avança rapidamente, segundo a autora, pode tornar-se mais difícil aos captadores acompanharem e descobrirem a melhor forma de utilizá-la a seu favor. E ela apresentou as seguintes constatações:
I. Uma pesquisa realizada pela BBB Wise Giving Alliance descobriu que muitos doadores de alta renda não confiam na IA. Entre aqueles que ganham US$ 200.000 ou mais por ano, 70% disseram que seriam “desencorajados de doar” para uma ONG que usasse IA em seus pedidos de doação.
II. Outro estudo que analisou especificamente o quanto os doadores confiam na IA descobriu que 31% dos doadores teriam menos probabilidade de doar para ONGs que usam a tal tecnologia.
Em outras palavras, mesmo que haja captadores usando a IA, parece que os doadores não estão ainda prontos para aceitá-la, segundo a editora.
Dentro deste contexto, retomo o que escrevi há um ano para o Observatório do Terceiro Setor: “em nosso País, a IA ainda é pouco utilizada no nosso Terceiro Setor, seja por conhecimento limitado, seja por falta de recursos financeiros. Entretanto, entendo que as ONGs deveriam apostar progressivamente na IA – assim como as empresas a fazem – ao captar recursos usando ferramentas como machine learning, big data, business intelligence, data analytics e blockchain. Afinal, se você quer captar, você precisa investir”.
Pondero que, embora a IA continue a avançar e tenhamos que utilizá-la para alavancar captações, temos que lembrar que pessoas doam para pessoas. O contato “olho no olho” é, portanto, ainda indispensável.
3-Expansão dos Fundos Aconselhados por Doadores
O Fundo Aconselhado por Doadores, o chamado Fundo Endowment também conhecido no Brasil como Fundo Patrimonial, é o desejo de consumo de qualquer ONG. Claro, para aquelas que conseguirem criar o seu próprio, é um dinheiro perene (juros obtidos a partir da aplicação financeira) que a instituição tem a sua disposição para investir em projetos ou quando estiver ando por dificuldades financeiras.
Nos EUA, encontramos esse tipo de Fundo – também conhecido como Filantrópico – que é utilizado por doadores que querem redução imediata de impostos ao fazerem a doação, que é feita para qualquer ONG ou a de preferência. Os entusiastas do Fundo dizem que ele é ótimo para ONGs, porque doadores estão mais dispostos a doar durante o ano, e não apenas no final do ano.
Para animar, a editora ilustra o seu artigo com o relatório Giving USA, que é uma das mais confiáveis fontes de informações sobre o Terceiro Setor norte-americano, que descobriu que quase 10% das doações em 2022 – US$ 52 bilhões – vieram deste tipo de Fundo.
Todavia, há um problema persistente apontado pelas ONGs e críticos que pontuam que é muito difícil encontrar titulares do Fundo. É como procurar uma agulha num palheiro. E não há sequer qualquer tipo de formulário, impresso ou digital, em que você possa simplesmente solicitar tal doação.
Além disso, a autora destaca que o Institute for Policy Studies prevê que os ativos dos Fundos ultraarão US$2 trilhões até 2026. Entretanto, o referido instituto queixa-se de que não existe qualquer obrigatoriedade para que as pessoas que receberam a dedução fiscal pelas suas doações canalizem esse dinheiro para ONGs em um determinado período.
Childress também menciona sobre relatos dos captadores ao Chronicle que muitas das doações que recebem dos Fundos são anônimas, o que torna difícil agradecer aos doadores e construir uma relação com eles.
De qualquer forma, o relatório do National Philanthropic Trust concluiu que os ativos dos Fundos cresceram para US$250 bilhões até 2023, um sinal de que vieram para ficar e prosperar como um instrumento a mais de doação. A questão em 2025 é se os captadores conseguem descobrir como aproveitar de tais Fundos de uma forma mais significativa.
Espero que um dia o Brasil possa ter Fundos Endowments exatamente como o dos EUA. Quanto aos Fundos Patrimoniais mais conhecidos em nosso no País, temos o da Universidade de São Paulo e o do Instituto Federal de São Paulo que foram criados para investir em seus próprios projetos.
4-Diminuição de doadores permanece um problema
Durante anos, o número de doadores que doam para ONGs tem diminuído. Childress conversou com Nathan Chappell, coautor de The Generosity Crisis, que disse que doações podem acabar na casa de um dígito em 49 anos. Seria um desastre e a editora apresentou os seguintes fatos:
I. Os dados do primeiro trimestre de 2024 do Fundraising Effectiveness Project mostraram que o número de doadores que investiram 100 dólares ou menos caiu 10,4%, em comparação com o ano anterior.
II. Giving USA mostrou que as doações diminuíram 2,1% em 2023, e a percentagem das doações globais provenientes de indivíduos caiu para 67%, muito longe dos 82% que vieram de indivíduos em 1983.
Chronicle investigou o que estava causando a diminuição de doadores de pequenos valores e o que as ONGs estão fazendo para reconquistá-los. Um problema foi notado: muitas vezes, os captadores são recompensados por trazerem grandes doações, e não um monte de doações pequenas.
Em minha experiência, esta situação nos EUA faz sentido, pois hoje todas as ONGs – e no Brasil cada vez mais – estão buscando as doações de HNWIs (High-net Worth Individuals), os milionários, pois são doações grandes e nunca há crise financeira neste nicho.
Volto a pontuar sobre as considerações que escrevi há um ano para o Observatório do Terceiro Setor. É sim importante expandirmos a diversidade de doadores, e aproveitarmos a grande transferência de riqueza que já acontece. Assim, captadores, ou melhor, friendraisers (em vez de fundraiser) precisam se concentrar cada vez mais na identificação, cultivação e retenção de doadores mais jovens. Este jovem de hoje – que sabemos pelas pesquisas que é mais consciente com o respeito a natureza e direitos humanos – que doa 10 reais pode ser aquele que mais tarde faça um aporte de 1.000 reais.
Isto posto, fazendo um mero copy e paste do que escrevi ano ado, “é necessário a ONG assim possuir uma estratégia específica para este nicho incluindo nova proposta de valor, diferentes canais de comunicação, distintas formas de engajamento e agradecimento, pois estes jovens são mais voláteis quanto a doação a uma única ONG”.
5-Problemas financeiros das ONGs
Childress relembra que a recém eleição presidencial nos EUA foi pautada pela massiva crise financeira sentida pelos americanos. Com efeito, o ano ado foi marcado por severa turbulência financeira das ONGs. Várias organizações registraram uma queda no financiamento que levou ao congelamento de contratações, cortes de programas, dispensas de funcionários e, em alguns casos, encerramentos das operações.
Está claro que o Terceiro Setor norte-americano ainda não se recuperou totalmente da pandemia, que pode ter custado às ONGs mais de 1 milhão de empregos. Como sabemos, os problemas financeiros das ONGs nos EUA são também vistos aqui em nosso País. Por isto, o importante é sempre, como friendraisers, continuarmos a explorar a diversificação de canais de captação, melhoria no storytelling dos projetos (personagem, problema, “Aha Moment” e transformação), comunicação personalizada e manutenção do relacionamento com doadores. De resto, nós friendraisers tocamos a vida como sempre.
Em suma, considerando tudo que foi exposto, é um ano como qualquer outro com muitos desafios em todos os lugares do mundo, mas sempre com muitas oportunidades. Afinal o Terceiro Setor em nosso País continua a crescer, organizar-se melhor e se profissionalizar cada vez mais.
Feliz 2025!
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Edmond Sakai é advogado e professor universitário. Foi diretor de ONGs internacionais como Operation Smile, Aldeias Infantis SOS-Brasil, Human Rights Watch-Brasil, The Nature Conservancy-Brasil e Junior Chamber International. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em istração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.