Cinco tendências da captação de recursos para 2024

Compartilhar

captação
Foto: Freepik

Por Edmond Sakai 

 

Li um artigo curto sobre as cinco tendências da captação de recursos para este ano. A autora, Rasheeda Childress, editora sênior de captação de recursos da Chronicle of Philanthropy destacou cinco cenários nos EUA, mas que – em minha opinião – servem para o Brasil também: inteligência artificial, Fundo Aconselhado por Doadores, doadores jovens, polarização e retenção de staff.

Inteligência artificial

A inteligência artificial tem sido uma das grandes evoluções da captação de recursos e do engajamento de doadores e voluntários desde antes da pandemia eclodir em 2020. E continua a pleno vapor.

Segundo Childress, captadores de recursos – ou, em minha opinião, friendraisers conforme meu artigo “Vendedor de Sonhos” – estão testando como melhor integrar as ferramentas de IA para cultivar doadores atuais e futuros. Por exemplo, cada vez mais usam ferramentas de escrita simples, como ChatGPT e Bard do Google, para escrever apelos, cartas de agradecimento e pedidos de financiamento. E como de conhecimentos de todos, o desafio desta tecnologia é em termos éticos e jurídicos, isto é, como proteger as informações confidenciais dos doadores.

Com efeito, para assegurar tal proteção, temos assim a Lei Geral de Proteção de Dados de 2018 que cuida dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade. Também estimula a segurança jurídica com a padronização de regulamentos e práticas para promover a proteção aos dados pessoais de todo cidadão que esteja no Brasil, de acordo com os parâmetros internacionais existentes.

Em minha avaliação, em nosso País, a IA ainda é pouco utilizada no nosso Terceiro Setor, seja por conhecimento limitado, seja por falta de recursos financeiros. Entretanto, entendo que as ONGs deveriam apostar progressivamente na IA – assim como as empresas a fazem – ao captar recursos usando ferramentas como machine learningbig databusiness intelligencedata analytics blockchain. Afinal, se você quer captar, você precisa investir.

Em outras palavras, as ONGs e seus profissionais terão que dedicar cada vez mais esforços e dinheiro na IA. Do contrário, poderão sucumbir em um futuro não tão distante.

Fundo Aconselhado por Doadores

Outra evolução da captação de recursos é a adoção do centenário Fundo Aconselhado por Doadores (DAF-Donor Advised Fund em sua sigla em inglês) que ganhou popularidade há uma década. Aqui no País, o conceito de Fundo Endowment talvez seja mais conhecido. Em poucas palavras, uma das diferenças é que o DAF pode ser dado para várias organizações da sociedade civil enquanto o Endowment é criado por uma ONG para investir (a partir dos juros) em seus próprios projetos.

Nos EUA, segundo o National Philanthropic Trust, DAFs possuem mais de US$228B em seus portfolios. Seria um sonho se o tivéssemos aqui em nossas terras!

Doadores jovens

Nos EUA, segundo o relatório 2022 da Giving USA, que é uma das mais confiáveis fontes de informações sobre o Terceiro Setor norte-americano, houve uma redução geral de 3,4% nas doações, ou seja, de US$516.6B em 2021 para US$499.3B em 2022. Dentro deste contexto, a doação feita por indivíduos (declínio de 6,4% com um resultado de US$319B) foi determinante para o saldo negativo. E lembremos que, no mundo inteiro, esta fonte de captação é habitualmente maior que as demais como a feita com empresas, governos e fundações.

Considerando que a média dos doadores recorrentes no mundo são aqueles nascidos entre 1946 e 1979 (mais de 60% são mulheres), percebe-se facilmente que é uma fonte de recursos imprescindível das ONGs que irá em breve secar.

Assim, a autora constata que é importante expandir a diversidade de doadores, e aproveitar a grande transferência de riqueza que se espera que aconteça nos próximos anos. Como resultado, friendraisers precisam agora também se concentrar na identificação, cultivação e retenção de mais doadores jovens. Afinal de contas, a fonte de recursos precisa continuar.

Para tanto, é fundamental envolver tais potenciais doadores e concordo com isso. Em minha opinião, isso significa que é necessário a ONG possuir uma estratégia específica para este nicho incluindo nova proposta de valor, diferentes canais de comunicação, distintas formas de engajamento e agradecimento, pois estes jovens são mais voláteis quanto a doação a uma única ONG.

Polarização

A profunda divisão política continua a afetar a captação de recursos nos EUA. E aqui, em nossas terras tropicais, também.

Childress retrata uma situação que ocorreu no final do ano ado em que doadores das Universidades de Harvard e da Pennsylvania cancelaram doações alegando que tais universidades não estavam agindo o suficiente para combater o antissemitismo. E com o ruído na imprensa, as ONGs também começaram a considerar se deveriam ou não emitir declarações a respeito do tema.

Como consequência, um debate surgiu a respeito da legitimidade do doador de condicionar ou não a sua doação de acordo com o seu ponto de vista. Penso que, assim como a polarização continuará, doadores continuarão a influir e, portanto, precisamos estar preparados.

Além disso, já presenciei doadores que exigem que as organizações mudem de posicionamento (ou simplesmente se manifestem) dependendo das questões políticas como liberação do aborto, uso medicinal da maconha e diminuição da maioridade penal.

Como estar preparado? Sugiro que as equipes de friendraising se planejem com antecedência para conversas desafiadoras com doadores sobre assuntos politicamente polarizados. Parece óbvio, mas já presenciei muitos executivos de ONGs que não fizeram a “lição de casa” antes de se reunir com o doador.

Assim, para evitar situações delicadas com estes doadores, principalmente se são do grupo de High-net Worth Individuals, eu preparo (e peço  para equipe) um tipo de due diligence para a reunião contendo objetivos, resultados esperados, possíveis pontos de discussão/conflitos, posicionamento da ONG, background político e social do doador e sua biografia. E toda equipe que estiver na reunião deve ter estudado a “lição de casa”.

Retenção de staff

Grande rotatividade de friendraisers continua a ser um grande problema nos EUA. E digo que aqui no Brasil também. Tradicionalmente quando há crise financeira, há uma grande rotatividade destes profissionais por inúmeras razões tais como pressão dobrada para captar.

A autora menciona que, ano ado, 52% das ONGs reportaram que tinham mais vagas abertas na captação que antes da pandemia. Em uma recente pesquisa da Chronicle of Philanthropy com 1.000 friendraisers, 53% disseram que foi difícil preencher a vaga. E 40% informaram que ainda haviam vagas em aberto.

A editora sênior, claro, recomenda que as ONGs criem um ambiente de trabalho acolhedor para melhorar o recrutamento e retenção de tais profissionais. E de acordo com as pesquisas lá nos EUA, a opção de trabalho híbrido e/ou remoto pode mitigar as taxas de rotatividade. Aqui no Brasil, segundo a mídia, esta opção é super bem apreciada pelos profissionais de diversas áreas.

Eu incluiria dar maior autonomia e tranquilidade aos friendraisers no processo de tomada de decisão, oferecer treinamento e capacitação específica, estimular o trabalho com base em metas e resultados oferecendo compensação adequada a cada objetivo alcançado, motivar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e oferecer e para que profissional tenha tranquilidade para desenvolver o seu trabalho.

Em suma, considerando tudo que foi exposto, evidente que é um ano com muitos desafios em todos os cantos, mas como sempre com muitas oportunidades. Isto porque o mundo das ONGs em nosso País continua a crescer, organizar-se melhor e se profissionalizar cada vez mais.

Feliz 2024!

*

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Edmond Sakai é advogado, consultor e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em istração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.


Compartilhar