Missão Paz acolhe refugiados e imigrantes no centro de São Paulo

Compartilhar

Projeto oferece desde abrigo aos recém-chegados até apoio jurídico e cursos profissionalizantes

por Diego Thimm

imigrantes
Jean está em São Paulo para estudar e trabalhar

No mundo, 1 em cada 113 pessoas é forçada a sair do local onde vive devido a conflitos de diversas naturezas. Isto é o que aponta o último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) sobre deslocamento involuntário no mundo. São mais de 65 milhões de pessoas entre refugiados, deslocados internos e solicitantes de refúgio que, para fugir de guerras, conflitos civis e violações dos direitos humanos, deixam suas casas.

No Brasil, quase 10 mil refugiados, de 82 nacionalidades, são reconhecidos legalmente e mais de 30 mil pessoas solicitaram refúgio em 2016, de acordo com dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).

Sem grandes apoios de órgãos públicos, essas pessoas, quando chegam ao Brasil, precisam recorrer a instituições e iniciativas que proporcionem o mínimo necessário para a adaptação e sobrevivência no novo país.

Referência na acolhida de imigrantes e refugiados em São Paulo, a Missão Paz, no bairro da Liberdade, recebe pessoas vindas de diversos lugares à procura de uma assistência inicial na cidade. “A nossa grande intenção é oferecer o serviço de acolhida e cobrar as autoridades. Assim, buscamos resolver a urgência da situação e avançar nas políticas públicas. Ainda falta muito para fazer, mas com a cobrança da sociedade civil, conseguimos dar alguns os”, diz o coordenador da Missão Paz, o padre Paolo Parise.

A iniciativa é dividida em quatro grandes áreas: Casa do Migrante, que acolhe e oferece um abrigo inicial aos recém-chegados; Serviços para Migrantes, com assistência médica, jurídica, social e cursos; Centro de Estudos Migratórios, responsável por pesquisas na área; e a igreja, para os que são católicos. “A gente não faz proselitismo. Nós respeitamos a identidade religiosa de cada um”, diz Parise.

A Missão Paz oferece apoio na emissão de documentos; escritório jurídico para atender, principalmente, questões trabalhistas e alguns casos de racismo e xenofobia; um eixo de educação que cuida da inclusão de crianças e adolescentes em creches e escolas; e assistentes sociais que visitam ocupações e moradias onde moram imigrantes. “Muitas vezes, eles estão em situações de extrema vulnerabilidade em prédios do centro”, conta Parise.

Além das visitas, os refugiados descobrem a Missão Paz através do posto de atendimento ao migrante do Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, e também são levados ao projeto por policiais. “Eles costumam procurar igrejas quando chegam e nós somos indicados. Ou mesmo a partir da própria rede de contatos deles”, explica o padre.

É o caso do haitiano Jean Jean Ephese, 33 anos, que está na capital paulista há poucos dias e bateu na porta do projeto à procura de um abrigo para ele e um colega.

Diante de um quadro de cursos, ele aponta para o de gastronomia e para o de istração financeira, depois, pergunta sobre o de empreendedorismo. “Hoje, não posso escolher onde trabalhar. Tenho que aceitar a vaga que surgir”.

Jean diz que veio para uma cidade grande para poder trabalhar e estudar, dois verbos que se repetem em quase tudo que fala. “Estudei engenharia civil, mas não tinha emprego no meu país. Só consegui trabalhar como ajudante de obra”.

Uma das frentes de atuação da Missão Paz é a mediação entre os imigrantes e as empresas contratantes. Além das visitas de empregadores, há aulas de português, explicações sobre a legislação trabalhista brasileira e encaminhamento para cursos profissionalizantes. Segundo o padre Paolo, a construção civil, os restaurantes e os setores de limpeza e de trabalho doméstico são os contratantes mais comuns.

Voluntário no apoio das contratações, Marcos Mantovani, 52 anos, trabalhou na indústria siderúrgica antes de entrar para a iniciativa. “Eu trabalhava muito com máquinas e pouco com humanos”, conta.

Ao lado de 80 voluntários do projeto, Marcos fala que é privilegiado por poder ajudar as pessoas. “Ouvia histórias dos meu avós, que eram imigrantes. Por curiosidade, vim conhecer a Missão Paz e fiquei”.

missão paz
Casa do Migrante acolhe imigrantes e refugiados

A primeira e uma das maiores dificuldades para os refugiados e imigrantes quando desembarcam no Brasil é o idioma. “Não entendia uma palavra”, conta Jean, sobre a primeira vinda para o Brasil, em 2014. Na época, ele conseguiu um trabalho como jardineiro em um hotel em Mangaratiba, no Rio de Janeiro.

Sem revelar o motivo, ele diz que precisou retornar ao Haiti em 2016, mas que agora chegou em São Paulo para ficar. “Gosto da arquitetura, da comida e da música daqui. Quero estudar e trabalhar para avançar”.

Perfis e desafios

A Missão Paz atendeu individualmente quase 8 mil pessoas em 2016. Somados os serviços coletivos, que oferecem espaços para eventos culturais e encontros, são quase 21 mil atendimentos. “Nós entendemos que eles precisam de apoio, mas os protagonistas são eles. Não interferimos nas pautas e nas reuniões, apenas oferecemos o lugar”, explica Parise.

O perfil dos imigrantes varia muito de acordo com a nacionalidade, segundo o padre. “Da Angola, vêm muitas mulheres e crianças. Entre haitianos e congoleses, a predominância é de homens. De bolivianos, vêm quase a mesma quantidade de homens e mulheres”.

Muitos dos refugiados possuem ensino médio completo e outros, principalmente vindos do continente africano, têm ensino superior. “Muitas vezes, quem consegue sair dos lugares é porque tem um mínimo de recursos. Com exceção dos territórios vizinhos, os mais pobres não conseguem deixar seus países”.

Além das nacionalidades citadas, no último ano houve um grande aumento no pedido de refúgios de venezuelanos no Brasil. Foram 3.375 solicitações, de acordo o CONARE. Segundo o Padre Paolo Parise, Roraima e Manaus são os lugares que mais recebem pessoas da Venezuela. “A opção deles é tentar ficar próximo à fronteira, esperando que a situação do país melhore, ou procurar outros países de língua espanhola”, comenta.

Os países em desenvolvimento, como a Turquia e o Líbano, são os que mais recebem refugiados no mundo. Dos 65,6 milhões de refugiados ou deslocados, 84% estão em países de renda média a baixa, segundo o ACNUR. “Hoje, o mundo precisa ser mais solidário, pois as coisas estão inter-relacionadas. Às vezes, um fluxo migratório é potencializado por algum país que não quer acolher os imigrantes”, esclarece Paolo. Isso explica porque tantos imigrantes fazem as mesmas rotas. Eles buscam os poucos países que os aceitam, embora muitas vezes não sejam os países com as melhores condições para isso.

Sobre os principais desafios, o Padre fala que são necessárias políticas globais de apoio aos refugiados e migrantes. “Temos ensaios com boa vontade, mas ainda são muito fragmentados. No caso do Brasil, o grande desafio é fazer dialogar os órgãos federativos. A falta de trabalho em conjunto dificulta a regulamentação e o Ministério da Justiça precisa ouvir a sociedade”.


Compartilhar