Antidepressivos sob ataque: dosar expectativas é o remédio

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
No livro irável Mundo Novo, publicado em 1932 por Aldous Huxley, os personagens ingeriam o Soma, droga que causava felicidade plena e desta forma, impedia qualquer questionamento ou crítica da ordem social pré-estabelecida. Cada cidadão recebia informações e instruções sobre como proceder e pensar, a depender da casta a qual pertencesse e quaisquer frustrações ou sentimentos de infelicidade eram prontamente eliminados quimicamente.
A partir deste preâmbulo, caminhemos no tempo até 1987, ano em que a fluoxetina foi lançada no mercado norte-americano. Sob o nome comercial de Prozac (do prefixo “Pro”, sugerindo algo profissional e se conectando com o “ac” de activity – atividade em inglês), este medicamento trouxe um ganho no tratamento de quadros depressivos e ansiosos com menos efeitos colaterais que as drogas antigas (antidepressivos tricíclicos), mas também ganhou status de celebridade cultural, se tornando o ícone da década de 1990, denominada entusiasticamente de “Década do Cérebro”.
A promessa de uma metamorfose pessoal se tornou o cerne de uma enorme estratégia de marketing intencional e de boca-a-boca que gravou no imaginário social a ideia de que humor, regulação emocional e ciclos biológicos tinham relação direta com a inibição da recaptação de serotonina, apenas uma das dezenas de substâncias neurotransmissoras atuantes no cérebro.
Trinta e seis anos depois da euforia inicial, observamos que os resultados dos antidepressivos estão longe de se equipararem ao Soma Huxleyano: Estima-se que até 40% das pessoas com depressão não respondem ao uso de antidepressivos convencionais por tempo e dose adequados. Fatores como personalidade, saúde geral, genética e outros problemas psiquiátricos associados como o transtorno bipolar contribuem para esse cenário.
Aliado a isso, certamente há um componente de frustração entre os consumidores destas medicações. Quanto mais elevada é a expectativa por resultados, maior o risco de decepção. O trabalho clínico dos psiquiatras atualmente é de realinhar expectativas, reforçar o poder terapêutico do vínculo e estimular as pessoas a buscarem estratégias não medicamentosas como as psicoterapias, a meditação e atividade física como formas que permitam maior autogerenciamento, regulação emocional e qualidade de vida – mesmo sabendo que a oferta destas possiblidades no sistema público é insuficiente frente ao tamanho da demanda.
Em resumo, as pessoas precisam ser ensinadas e estimuladas a criar soluções para o sofrimento mental. A espera por respostas externas ao sujeito costuma ser frustrante e enfraquece o poder curativo dentro de si. O tratamento é uma somatória de vetores de esforços, reflexões e consensos, tanto do médico/terapeuta quanto do paciente e seus familiares/cuidadores.
Desta maneira, observo os antidepressivos serem “atacados” atualmente, seja por nos frustrarmos com suas limitações e inconvenientes pelo surgimento de novas possibilidades/promessas de tratamento (psicodélicos, psiquiatria intervencionista, cannabis medicinal) ou por críticas à “medicalização da sociedade”. Entretanto, dois pontos devem ser incluídos nessa discussão:
1) Apesar do aumento do consumo de antidepressivos e outras medicações, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, a falta de o ao tratamento da depressão, especialmente em pessoas de baixo status socioeconômico continua sendo um problema de saúde pública.
2) O consumo de medicamentos para atender diversas necessidades e desejos humanos é imemorial. No caso das substâncias psicoativas, arqueólogos encontram evidências de consumo de psicodélicos por civilizações há milênios. Sim. Ainda faltam muitas peças no quebra-cabeças da depressão e de outros transtornos mentais. A complexidade das redes neurais e sua interação com a genética, organismo, personalidade e sociedade ocupará os pesquisadores, laboratórios e universidades por décadas a fio. Além disso, nos falta compreender as motivações, desejos e intenções que guiam as pessoas até os consultórios de psiquiatria todos os dias em todo o mundo. A grande maioria dos profissionais da área não é um homem de vendas da indústria farmacêutica.
Somos mais anteparos entre as lacunas no conhecimento técnico sobre a mente, as paixões humanas e o marketing que sempre tentará vender o que secretamente todos nós desejamos e pouco alcançamos: felicidade, performance e harmonia frente às vicissitudes da vida sem esforço. Dentro de um comprimido.
Você que usa antidepressivos já sabe que eles podem se tornar uma parceria pouco confortável ao longo do tempo. Mas, se for interromper, além de conversar com o médico sobre como fazer este processo de maneira segura, se questione:
O que você vai colocar em seu lugar? Outra “pílula mágica” ou uma real estratégia de reflexão, autoconhecimento, aceitação e mudança de hábitos de vida? Saúde mental é disciplina, sabedoria e busca de relacionamentos significativos. Com estes ingredientes, a mágica do bem-estar tem maior chance de eclodir – com ou sem antidepressivos.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.