Ah! No meu tempo… O estigma injusto da geração mimimi

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
A origem do conflito de gerações se perde na história num ciclo perpétuo. Platão no século IV a.C se preocupava com as consequências do uso do álcool entre adolescentes. Aristóteles, por sua vez, se preocupou com a impulsividade e a arrogância dos jovens que agiam sem medir consequências e julgavam saber tudo.
William Shakespeare retratou a rebeldia contra as instituições dos adultos em “Romeu & Julieta”. Antes da Primeira e Segunda Guerra mundiais, os jovens eram descritos como preguiçosos e indisciplinados. Os nascidos após 1945, denominados de baby boomers, inauguraram de vez a contracultura e o movimento hippie, trazendo pânico aos pobres pais que haviam lutado na guerra.
A geração X, na qual me incluo por ter nascido entre 1965 e 1980, se caracteriza por ter enfrentado a Guerra Fria, a pandemia pelo HIV e o acirramento na competição profissional. Desta forma, valorizam o estudo formal e a estabilidade profissional. As gerações Y, Z e Alfa são formatadas a partir da revolução tecnológica iniciada na década de 1980. Já podemos imaginar e sentimos o que isso significa.
“Filhos e filhas em período integral” é um rótulo surgido na China em 2022 a respeito dos jovens que não conseguem se inserir no mercado de trabalho e retornam para a casa dos pais. Na Espanha, são os “ni estuda ni trabaja”, entregues aos celulares e sofás. No Brasil, são a “geração mimimi”, excessivamente queixosos, considerados ingratos em relação aos pais e trazem novas perspectivas de sexualidade e do seu lugar no mundo. Como geralmente os pais estão escravizados por duras rotinas de trabalho e falta de tempo livre, acabam por terceirizar a educação dos filhos para as escolas e para a tecnologia.
Como um exercício de empatia, paremos para observar o contexto social e econômico no Brasil: parte expressiva da juventude mora na periferia e se depara com a escassez de oportunidades de educação e trabalho, enfraquecimento dos vínculos comunitários, violência, racismo, aumento do abismo entre as gerações e uma inundação tecnológica. Somadas às incertezas habituais, esses fatores turbinam as taxas crescentes de depressão, ansiedade e suicídio.
A juventude deve ser encarada como um termômetro permanente das vicissitudes e oportunidades criativas do contexto social. Ao reclamar da geração atual, deve-se atentar também para a dor cringe: Estamos perdendo alegria, vitalidade e o universo de potencialidades que todo jovem recebe de bandeja. Boletos, lombalgia e sofrimentos acumulados são os verdadeiros vilões da vida adulta.
Outra constatação é de que a dinâmica do cotidiano do século XXI rouba tempo de conexão e aprendizado intergeracional. Um dos cenários onde isso sempre ocorreu foram nos saudosos almoços de domingo, que se iniciaram em volta das fogueiras lá nas cavernas paleolíticas, durando até os lares de 1980 e 1990 nos longínquos anos pré-internet. A vida mudou, acelerou, esfriou afetivamente e se tornou misantrópica. O planeta reclama! Algo precisa ser repensado agora, em prol da felicidade e sobrevivência desta e das próximas gerações. E isso não é mimimi.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.