A depressão é uma oportunidade de mudança na vida?

Compartilhar

Imagem: Adobe Stock

 

Por Rodrigo Martins Leite

A vida cotidiana exige cada vez mais do nosso sistema nervoso central: temos uma avalanche de informações para triar e assimilar, gastamos horas tricotando com algum smartphone, conversando com fantasmas e hologramas, chefias exigindo metas cada vez mais inatingíveis e ainda temos que lidar com os problemas e exigências da vida pessoal e familiar. O tempo para tudo isso ainda é o mesmo desde o “big bang”: As prosaicas 24 horas de um dia.

O estresse crônico maltrata os neurônios, fazendo com que eles funcionem mal em meio a uma sopa de substâncias inflamatórias e tóxicas. O resto do organismo é inundado diariamente com adrenalina e age como se estivesse na savana Africana Pré-Histórica fugindo do ataque de um tigre-dente-de-sabre, mesmo que estejamos em plena Avenida Paulista. Uma hora cansa.

Como não somos somente matéria, a mente e o espírito também se retraem em resposta a um estado contínuo de medo, apreensão e frustração de expectativas. Rifamos os sonhos e fantasias, abrimos mão de buscar sentido, deixamos a infância morrer. Resultado natural: um episódio depressivo.

Se observarmos bem os sinais e sintomas da depressão, eles caminham na contramão do mundo: se precisamos dormir e nos alimentar adequadamente para dar conta da lida, sobrevém as alterações de sono e apetite. O corpo se recusa a sair da cama para enfrentar a vida. A comida perde o sabor ou alimentos menos nobres, ultracalóricos se tornam saída para o desprazer geral. Se nos é exigido performance e produtividade, entrega-se fadiga, lassidão, desconcentração e perda da motivação. Se a empresa espera um sorriso fixo implantado, toda a musculatura facial reage no sentido oposto num misto de tristeza, ressentimento e desalento.

Os quadros depressivos são a terceira maior causa de incapacidade em todo o mundo. Leia-se: as pessoas com depressão, especialmente quadros moderados e graves não conseguem trabalhar, estudar, desenvolver seus projetos e entregar o que tem de melhor em si para a vida. Acomete jovens, adultos, idosos. Até mesmo crianças. Pessoas com depressão crônica ou resistente ao tratamento podem permanecer assim durante anos, décadas e até boa parte da vida.

Como não poderia deixar de ser, a resposta social mais adequada é estimular as pessoas com depressão para buscarem algum tipo de ajuda ou tratamento. Sabemos que a associação de antidepressivos com psicoterapia é o tratamento mais eficaz mas infelizmente grande parte da população brasileira não tem o a este pacote de intervenções. É dilacerante estar clinicamente deprimido – o que é bastante diferente de sentir-se triste ou simplesmente chateado ou frustrado, mas e se tivermos a liberdade de pensar a depressão como um grande alerta para mudarmos algo em nossas vidas? E se for um toque do cosmo de que não temos que dar conta de tudo sempre? É possível encontrar sentido na depressão?

A depressão, assim como outros transtornos mentais, tem bastante relação com a história de vida atual e pregressa, destacando os eventos estressantes vividos durante a infância. Desta forma, a maior parte das depressões envolve algum período delicado da vida. Períodos de transição como a adolescência, a meia-idade e a velhice costumam ser turbulentos por si só. Separações, lutos, perda de emprego, problemas financeiros e familiares adicionam camadas de complexidade… A lista de adversidades é sempre crescente e desafiadora.

Sabemos que a depressão traz em si algum grau de raiva e ressentimento frente à determinadas situações. Nossa dificuldade de tomar decisão frente ao que é possível de mudança bem como a aceitação do que não é possível ser mudado está presente em maior ou menor grau em todas as pessoas com depressão – e arrisco dizer, em qualquer ser humano. Brigamos com a realidade o tempo todo. Ela nos frustra, confunde, desanima, engana e exige ao mesmo paciência e proatividade. Esta briga também é semeadora de crescimento, entendimento e ganhos. Entretanto, compreender que, de tempos em tempos, precisamos “fechar para balanço” e hibernar dentro de um casulo depressivo, pode permitir que possamos renascer aprimorados de alguma forma. Este renascimento só é realmente possível se ele dialoga com a essência de cada um. A depressão é o inverno da mente e cada estação do ano tem um sentido cíclico. Cuide-se. Aqueça-se e se prepare para a primavera…

*

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “Psiquiatra da Sociedade”.


Compartilhar