André Rebouças: o abolicionista que uniu movimento social e monarquia
Apesar de ter crescido livre e fazer parte da elite intelectual negra do país, André Rebouças também foi vítima de racismo. Amigo da família imperial, ele foi o elo entre o movimento abolicionista e a monarquia

Por: Isabela Alves
Nascido em 18 de janeiro de 1838, André Rebouças era filho de Antônio Pereira Rebouças, um advogado autodidata, eleito deputado por duas vezes e conselheiro de Pedro II.
André e sua família fizeram parte da elite intelectual negra do país. Ele e seu irmão, Antônio Pereira Rebouças Filho, se formaram engenheiros, sendo que um de seus tios se formou médico e outro seguiu a carreira de maestro.
Apesar de ter crescido livre, com uma boa condição social e ter o à educação de melhor qualidade da época, ele foi vítima do racismo.
“Mesmo com todo o prestígio adquirido nas lutas pela independência na Bahia, seu pai Antônio sofreu preconceitos, sendo parado diversas vezes quando viajou de Salvador ao Rio de Janeiro por terem suspeitas dele ser um escravo fugido”, afirma Hebe Mattos, historiadora e professora titular na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Na época, apesar da Constituição Imperial abolir as restrições coloniais para que pessoas de cor nascidas livres tivessem o aos cargos nas forças armadas e na istração pública, André e o irmão não foram aceitos na Marinha, sem qualquer justificativa.
Eles então estudaram na escola militar da Praia Vermelha (ligada ao exército), e seu pai bancou uma viagem para a Europa para que ele e o irmão completassem sua formação como engenheiros.
Ao retornar para o Brasil, André foi para a guerra do Paraguai para atuar como engenheiro e oficial militar. Ele também escreveu um diário para registrar as suas memórias.
“Durante a guerra, procurou sempre defender estratégias de luta que pouem vidas. Nem sempre suas ideias foram acatadas e ele acabou adoecendo, o que fez com que retornasse ao Rio de Janeiro”, afirma Mattos.
Ele ou, então, a se dedicar aos seus projetos como engenheiro, sendo que entre alguns de destaque estão as Docas da Alfândega, as Docas Dom Pedro II e projetos para o saneamento e abastecimento de água para a cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de ter um controle sobre as doenças.

“Ele era um visionário e tinha uma capacidade intelectual acima da média, fazendo projetos importantes também em diversas outras províncias brasileiras, envolvendo a logística de portos e estradas de ferro”, relata Mattos.
Na primeira metade da década de 1870, André visitou obras nos Estados Unidos e na Europa, e se aproximou dos melhores engenheiros do mundo para trazer mais modernização para o Brasil.
No entanto, seus projetos dependiam de concessões públicas e ele não conseguiu concluir muitos deles, tendo sofrido inúmeras agressões racistas por parte de seus concorrentes.
Com a entrada cada vez maior de empresas e capitais internacionais no país, sua carreira como empresário foi interrompida. Ele ou, então, a se dedicar cada vez mais ao movimento abolicionista a partir do final da década de 1870.
“Ele tinha contato com todos os grupos abolicionistas, desde os mais radicais como José Patrocínio até os mais influentes no parlamento, como Joaquim Nabuco, e muito trânsito com a elite política tradicional”, conta a historiadora.
Com a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, que determinava que os filhos de escravizadas nascidos a partir de 1871 seriam considerados livres e que os senhores deviam fazer uma matrícula de seus escravos, diminuíram as ameaças de escravização ilegal dos cidadãos livres chamados “de cor” e ampliaram-se as pressões do movimento abolicionista e a fuga de escravizados.
A primeira versão da Lei dos Sexagenários, aprovada em 28 de setembro de 1885, que determinou a libertação dos escravizados com mais de 60 anos, tentava não indenizar os proprietários com base na entrada ilegal dos africanos escravizados depois de 1831.

Com a pressão da luta abolicionista, as fugas de escravizados cresceram. Entre 1885 e 1888, a monarquia ou a procurar alternativas para não acelerar o processo de libertação no país.
“Em princípios de 1888, São Paulo possuía a mais importante lavoura de café e os fazendeiros estavam preocupados com a perda de colheita”, diz Mattos, o que acabou possibilitando a abolição sem indenização aos senhores.
André Rebouças era a favor da democracia rural, ou seja, da demarcação de terras para doar para os libertos. No entanto, não houve indenização para os escravizados.
Após o início da república, o Brasil preferiu dar vantagens aos imigrantes brancos, em projetos muitas vezes inspirados em políticas eugenistas, que tinham o objetivo de branquear a população.
Muitos fazendeiros fora das áreas paulistas não se conformaram com a abolição sem indenização e se tornaram republicanos. “André Rebouças era amigo pessoal da família imperial. Então, após a derrubada da monarquia, ele acompanhou a família imperial no exílio”, conta Mattos.
Na Europa, ele se tornou colaborador de jornais importantes da época e escreveu artigos no The Times de Londres e em jornais portugueses e brasileiros.
Nos últimos anos de sua vida, viajou para o continente africano e foi neste lugar que ele encontrou as suas raízes, mas também se assustou ao se deparar com as práticas escravistas e de segregação racial violenta em países como Moçambique e África do Sul.
“Ele a a os seus textos como ‘Negro André’ para reforçar a sua ancestralidade e a estudar sobre raça e cultura, sobre as contribuições africanas e os efeitos do racismo. André se torna mais crítico, começa a olhar a questão racial de uma outra maneira e se decepciona com o papel dos ingleses no continente”, relata a historiadora.
No fim da vida, ele ficou deprimido e morreu caindo de um penhasco, em 9 de maio de 1898. Mattos reflete que Rebouças fez questão de deixar documentos sobre os seus feitos durante toda a sua vida, porque queria ser lembrado.

“Ele queria deixar a sua marca no mundo. Seus escritos são um grito pelo reconhecimento. Ele acreditava que a posteridade iria fazer justiça ao seu nome”. André Rebouças foi um negro rico, culto e importante em uma sociedade escravagista.
Mattos ressalta que é preciso lembrar da elite intelectual negra, pois, por conta do processo de embranquecimento, suas histórias foram muitas vezes apagadas ou esquecidas. “Ele quis deixar a mensagem: ‘eu existo, estou aqui’”, conclui.
No momento, a historiadora Hebe Mattos está escrevendo a biografia de André Rebouças ao lado do colega Robert Daibert.
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Esta reportagem é a quarta e última de uma série especial sobre a abolição da escravidão e a importância de abolicionistas negros nesta luta. Os outros personagens destacados foram Luiz Gama e Dragão do Mar.