Neonazismo cresce no Brasil e prega ódio às minorias

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Pautado no discurso de ódio, o neonazismo está em crescimento no Brasil. Antropóloga estima que até 300 mil pessoas estejam consumindo literatura neonazista no país e destaca que grupos estão cada vez mais vinculados ao governo atual

Neonazismo cresce no Brasil e prega ódio às minorias
Foto: Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Por: Júlia Pereira

Racista, homofóbico, machista, violento em diversos aspectos. Esse é o conteúdo do discurso proliferado pelos grupos neonazistas.

Um levantamento realizado pela SaferNet Brasil, organização da sociedade civil que promove os direitos humanos na rede e monitora sites radicais, mostra que, somente no mês de maio deste ano, foram criadas 204 novas páginas de conteúdo neonazista. No mesmo período de 2019, foram 42 e em 2018, 28.

Os números mostram que há um aumento contínuo do neonazismo no Brasil e que tais grupos estão, cada vez mais, vinculados ao atual governo. “Os neonazistas são, hoje, uma base de sustentação desse governo, infelizmente”, diz Adriana Dias, antropóloga e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo ela, há pelo menos 349 células neonazistas ativas no Brasil, resultando em aproximadamente 25 mil pessoas. A pesquisa da antropóloga segue em andamento e a intenção é publicar um livro com os resultados.

O número de pessoas vinculadas a células neonazistas já é alto, mas, considerando que a maioria das pessoas consideradas neonazistas no país não faz parte de grupos específicos. Adriana estima que há mais de 300 mil pessoas que consomem a literatura neonazista no Brasil.

“Fazer parte de um grupo é quando a pessoa já está pronta para ir a uma ‘guerra racial’. Mas, primeiramente, a pessoa lê bastante material e faz outras coisas antes de ingressar num grupo”, ressalta.

Determinar um número exato de quantas pessoas têm o a esses materiais e de quantas participam ativamente dos grupos é uma tarefa difícil, uma vez que essas células estão presentes, muitas vezes, na deep web, parte da internet que não é indexada pelos mecanismos de busca e, em razão disso, está oculta de grande parte do público.

Nazismo X Neonazismo

Entender a diferença entre o nazismo e o neonazismo é importante, pois, apesar das semelhanças, ambas as ideologias apresentam particularidades.

O nazismo foi uma política de Estado presente principalmente na Alemanha nas primeiras décadas do século XX e liderada por Adolf Hitler.

Já o neonazismo, não está, neste momento, ocupando Estado nenhum, embora os grupos que aderem a ele desejem isso.

Além disso, há diferenças entre os discursos. Segundo Adriana, o discurso nazista era muito vitorioso, enquanto o neonazista é de remanescência, ou seja, há uma distorção sobre a história para dizer que existe hoje um genocídio dos grupos de supremacia pautado no medo de perder um lugar que, para essas pessoas, é ‘seu por natureza’. “É uma mistura de negacionismo com delírio histórico”, complementa a antropóloga.

A partir dessa narrativa imaginária, em que há um ‘genocídio do homem branco’, grupos neonazistas desenvolvem estratégias de eliminação do outro, como, por exemplo, ataques e violências praticadas contra pessoas negras e homossexuais.

“A gente não tem que ter medo do outro. Na verdade, a gente deveria se abrir mais para as vulnerabilidades do outro, ouvir mais a história do outro, entender que todos nós fazemos parte dessa grande construção da história humana”, aponta a pesquisadora.

A propaganda neonazista

Discursos e ações de membros do governo federal contribuem para essa ascensão do neonazismo no Brasil. Um exemplo disso foi o episódio em que o presidente Jair Bolsonaro tomou um copo de leite puro durante uma transmissão ao vivo, símbolo nazista de supremacia racial.

Outro momento foi quando o ex-secretário Nacional da Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso semelhante ao do ministro da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels.

Roberto Alvim, ex-secretário Nacional de Cultura, e Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha Nazista de Adolf Hitler
Roberto Alvim, ex-secretário Nacional de Cultura, e Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha Nazista de Adolf Hitler | Foto: Reprodução

Além da representação do neonazismo no alto escalão, outro elemento do atual contexto também colabora para que discursos extremistas se propaguem mais facilmente. A internet possibilita que esses grupos sejam formados e que as pessoas tenham o a conteúdos neonazistas de forma mais fácil.

“O que a gente tem que fazer é o papel civilizador dentro da internet. Da mesma forma que esses grupos se organizaram para montar um espaço de antidemocracia, a gente tem que organizar um espaço de democracia”, sugere Adriana.

A propaganda tem um papel essencial na ascensão dos grupos neonazistas e é realizada em três fases. A primeira está voltada em fazer com que mais pessoas entrem para o movimento e mira uma população mais ampla. Um exemplo desse tipo de propaganda foi o que aconteceu em Blumenau em 2017, quando grupos espalharam cartazes pela cidade com ameaças a negros, comunistas, “macumbeiros” e antifacistas.

Foto: Reprodução

A segunda etapa, por sua vez, foca na mensagem e não é composta somente por discursos de supremacia branca. Assim, tem como objetivo alcançar o público mais leigo.

A propaganda de terceira fase, por fim, é voltada ao chamado ‘homem inédito’. “É a tentativa de levar aquelas ideias para o senso comum, digamos assim”, explica Adriana.

A pesquisadora exemplifica essa etapa com o racismo reverso, ideia criada pela organização de segregação racial Ku Klux Klan (KKK) na década de 1970 nos Estados Unidos e que ainda hoje perdura na sociedade.

“A ideia foi tão transmitida que chegou em pessoas em que não se esperava que chegasse. Isso que é a contaminação do neonazismo”, acrescenta.

Além da propaganda, os grupos neonazistas utilizam outras ferramentas para expandir o movimento, como atividades de iniciação que utilizam violência contra pessoas LGBTQ+ e judeus, por exemplo.

“[O uso das ferramentas] Depende muito do tipo de grupo, do que eles desejam, de como se sentem para fazer determinadas atividades”, aponta a antropóloga.

Segundo Adriana, no Brasil, já estão ativos praticamente todos os tipos de grupos neonazistas presentes em outros países e regiões do globo, como os anti-imigração, religiosos e da KKK.

“A grande diferença é que, no Brasil, as pessoas misturam muito os grupos. Ou seja, um grupo neonazista não lê material de um só grupo como seria o natural. Os grupos tendem a ler todo tipo de material possível”, ressalta.

Apesar da ascensão, nazismo é crime no Brasil

Segundo a lei nº 9.459, a apologia ao nazismo é crime no Brasil. A prática pode levar à reclusão de dois a cinco anos e multa.

Mesmo assim, os grupos neonazistas continuam crescendo no país. Adriana explica que esse crescimento é ocasionado por diversos fatores, como a impunidade.

“A lei precisa ser revista, para esse ser considerado um crime de maior dolo. Nazismo tem que ser considerado hediondo. É impossível você reduzir uma questão dessa se você não conseguir parar o movimento que está construindo ele”, enfatiza.

Além da modificação da lei, a pesquisadora ressalta a necessidade de preparar órgãos e instituições de vigilância e policiamento para combater o neonazismo no país. “Não há uma vontade política de resolver essa questão”, diz.

A denúncia de práticas nazistas pode ser realizada de maneira tradicional, como por meio de notificação à polícia. Ou também por meio de organizações como a SaferNet. “Existem várias formas de fazer a denúncia. O importante é não deixar de denunciar e não deixar de representar depois”, frisa Adriana.