Especialistas defendem reestruturação das escolas brasileiras
Currículos com conteúdos que pouco se aproximam da realidade dos estudantes, desvalorização do professor e falta de infraestrutura são alguns dos problemas apontados como mais graves
Alunos que demoram a entrar na classe após o sinal, conversas durante a explicação, bagunça: tudo isso e mais uma lista de fatores levam os professores brasileiros a perderem 20% do tempo de aula colocando a classe em ordem para poder ensinar. O dado é de uma pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013 e divulgada recentemente.
Uma primeira análise dos dados pode levar a crer que os grandes culpados pela perda desse tempo são os alunos, mas especialistas garantem: eles na verdade são vítimas, assim como os professores, de problemas estruturais na educação brasileira.
“O problema está na dinâmica das escolas, enquanto instituições, nas aulas curtas (com duração de 50 minutos de manhã e 40 minutos à noite), no excesso de alunos na sala e que depois precisam se deslocar entre uma aula e outra, na pouca valorização do professor”, aponta Raquel Souza, mestre em educação e assessora da área de Juventude da ONG Ação Educativa.
Segundo Raquel, muitas escolas têm um clima caótico: as regras não são claras, há pouca infraestrutura, faltam funcionários de apoio. A mestre em educação acredita que, para as escolas funcionarem de forma minimamente satisfatória, é preciso pensar em duas questões: melhorar as condições de trabalho dos professores e de outros profissionais da educação, e garantir condições mínimas de infraestrutura e organização para a escola.
A primeira diz respeito a aspectos como dar subsídios para que o professor trabalhe em apenas uma unidade escolar e tenha motivos para permanecer nela por um longo período. “Só assim, ele vai conhecer os alunos, entender a realidade daquela região e poder planejar coisas para o futuro daquela escola. Se ele trabalha em vários lugares diferentes, como podemos exigir que ele conheça a fundo cada um? Ele simplesmente não terá tempo. E essa é uma coisa que foge do controle dele”.
A coordenadora-geral do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, também destaca a dificuldade que os professores têm em lidar com as diversas realidades dos alunos: “Eles trazem histórias muito diferentes de vida, em alguns casos, marcadas pela desigualdade social, por um contexto familiar e social violento e pouco estimulante, questões que são carregadas para a sala de aula, mas com as quais os professores não conseguem lidar por falta de apoio, ferramentas e conhecimento”.
A preocupação de Raquel e Alejandra com a construção de um vínculo mais forte entre professores, alunos e escola enquanto instituição vai ao encontro de uma necessidade expressa pelos próprios estudantes: a de se sentirem atendidos no currículo escolar, de aprenderem coisas que se aproximem de seus cotidianos, que lhes serão diretamente úteis. Entre as pesquisas que apontam essa visão dos alunos está ‘O que pensam os jovens de baixa renda sobre a escola’, feita com mil estudantes de 15 a 19 anos do ensino médio de São Paulo e de Recife, e divulgada em 2013.
Além de gerar maior interesse dos alunos nas aulas, Raquel destaca que a valorização do professor, através de melhores salários e condições de trabalho, tornaria a função mais atrativa, o que diminuiria o déficit atual de profissionais.
De acordo com a pesquisa da OCDE, cerca de 25% dos professores dos anos finais do ensino fundamental não fizeram curso de formação de professores. Ou seja, são profissionais com graduação em áreas não voltadas para educação que assumem as salas de aula e que, consequentemente, não têm todo o preparo necessário para isso. No Chile, por exemplo, 9 em cada 10 professores concluíram tais cursos.
A segunda questão apontada por Raquel como fundamental para melhorar o funcionamento das instituições de ensino do país é pensar na infraestrutura de cada escola. É preciso ter um quadro de funcionários suficiente para atender o número de alunos da unidade, salas de aula com menos estudantes e equipamentos como os de informática.
Alejandra também acredita que a infraestrutura é uma questão primordial e destaca o tamanho do problema no Brasil: “Apenas 4,2% das escolas públicas contam com a infraestrutura adequada, de acordo com o que determina o Plano Nacional de Educação.” Um exemplo de elemento que se faz ausente em quase todas as escolas é o laboratório de ciências. 92% das instituições de ensino fundamental não dispõem desse espaço, considerado essencial pela coordenadora-geral do Todos Pela Educação.