Direitos Humanos e Segurança Pública: é possível conciliar? Respondendo a uma pergunta sem sentido
O título desta coluna traz uma questão sem sentido: quando se indaga se é possível conciliar Direitos Humanos e Segurança Pública, há que se presumir que quem formulou a pergunta acredita que sejam inconciliáveis. Esses termos, porém, são apenas aparentemente contraditórios: a segurança é um direito humano fundamental – aliás, está previsto no artigo 5º da Constituição Federal ao lado da vida, da liberdade, da igualdade e da propriedade [1].
Se o direito à segurança é um direito humano fundamental, já fica fácil deduzir que não há sentido em afirmar serem incompatíveis os Direitos Humanos e a Segurança Pública.
Na verdade, aqueles que fazem essa afirmação, em geral, referem-se à criminalidade e a consequente sensação de insegurança, que atribuem a uma suposta “frouxidão” da Justiça (que, por sua vez, seria causada “pelos Direitos Humanos”) para com aqueles que praticam crime, o que, em seu entender, tornaria insuficiente a ameaça de castigo apta a demover o potencial criminoso de seu intento.
Já tivemos oportunidade aqui na Coluna do Observatório do Terceiro Setor de debater por várias vezes porque não cabe dizer que “direitos humanos é direito de bandido” (veja nesta coluna), bem como de falar sobre as muitas outras frentes de atuação e possibilidades de trabalho nessa área (saiba mais aqui). Mas, para desfazer esse equívoco que torna sem sentido a pergunta do título, na coluna de hoje vou falar sobre os direitos individuais fundamentais que devem ser garantidos a todo e qualquer cidadão que seja acusado e processado criminalmente pelo Estado.
Para compreender como chegamos ao nosso modelo atual de sistema de Justiça Criminal (e então relacioná-lo com os direitos humanos e a segurança pública), vale, antes de mais nada, lembrar a origem do Direito Penal e do sistema de justiça e sua função de proteger os direitos do cidadão acusado de crime, como também falei no texto “Direitos Humanos é ‘direito de bandido’?”, o mesmo que mencionei acima (veja aqui). Tendo essa origem histórica em mente, podemos definir o Sistema de Justiça Criminal atual como a articulação de órgãos e instituições públicas que possibilitam ao Estado exercer seu dever/direito de punir, limitando esse poder de punição garantindo alguns direitos fundamentais ao acusado: de que somente será condenado por meio de um processo regulado por lei, e que sua condenação observará a legalidade das penas. O sistema de justiça criminal, portanto, tem por função tutelar os direitos fundamentais à liberdade (que deverá ser restringida apenas o mínimo necessário) e à igualdade (que determina que todos os acusados devem ser tratados igualmente no processo penal).
Já a segurança pública pode ser conceituada como a atividade do Estado exercida por meio do poder de polícia, que consiste em limitar liberdades civis por meio da contenção de eventuais abusos de direito, protegendo assim outros direitos ameaçados por tais abusos. Sendo um dever do Estado, a segurança é um direito fundamental do cidadão, garantido para que, de forma indireta, sejam protegidos outros direitos fundamentais, como a vida, a integridade física, as liberdades individuais e o patrimônio.
Algumas atividades das polícias são relacionadas ao Sistema de Justiça Criminal: as polícias civis (chamadas de polícia judiciária) têm a atribuição de realizar a investigação criminal que, na maioria dos casos, servirá de base à acusação a ser formulada pelo Ministério Público. Já às polícias militares cabe a repressão aos crimes nas ruas, especialmente por meio das prisões em flagrante, que têm por finalidade interromper a conduta criminosa e coletar o máximo de informações possível para que a Polícia Civil dê início ao inquérito policial (embora na prática haja diversos problemas em relação à prisão em flagrante, e fica aqui a promessa de abordar o tema em outra coluna!).
Portanto: o sistema de justiça criminal foi criado com a finalidade de proteger os direitos individuais fundamentais do cidadão acusado de crime, e não para conferir sensação de segurança – até porque o sistema de justiça somente pode atuar quando o crime já houver sido praticado. E como fica a tal “sensação de segurança” aqui, não é mesmo?
Já a segurança pública – que, como vimos, é também um dever do Estado e um direito do cidadão – é um sistema mais complexo composto por vários fatores, sendo a vigilância exercida pelas polícias militares apenas um deles (falei sobre isso no artigo “Combate à impunidade e a lógica do queijo suíço”).
Se as funções dos Sistemas de Justiça Criminal e de Segurança Pública são tão claramente distintas entre si, por que então se insiste tanto no Direito Penal e na punição (que tem como consequência imediata o encarceramento em números alarmantes que temos no Brasil) como solução para aumentar a sensação de segurança?
Lanço aqui algumas reflexões para pensarmos juntos. Embora seja uma atribuição pública, a Constituição não veda a prestação de serviços de segurança pela iniciativa privada. E parece ser um bom negócio: tanto é assim que o faturamento do setor da segurança privada em 2014 foi de R$ 33 bilhões [2], no Brasil. É interessante notar que o país é o 5º mercado do mundo em quantidade de vigilantes (mais de 1,5 milhão de vigilantes, o que em 2011 resultava na proporção de 1 agente público/5 agentes privados, segundo a OEA), atrás apenas da Índia (7 milhões), China (5 milhões), Estados Unidos (2 milhões) e Rússia (800 mil) [3] , que, assim como o Brasil, sofrem o problema do encarceramento em massa e indicam haver uma relação perniciosa entre os dois elementos. E, quando descobrimos que o Estado de São Paulo tem aproximadamente 180 mil seguranças privados e um efetivo aproximado de 90 mil policiais militares [4], não parece exagero pensar que um investimento real na segurança pública traria prejuízo a esse lucrativo mercado do medo.
Por outro lado, esse mesmo mercado alimenta uma outra ponta: propor lei penal é medida de baixíssimo custo e de alto capital eleitoral para deputados e senadores. Não seria tempo de pensarmos quem ganha e quem perde afirmando que Direitos Humanos e Segurança Pública são inconciliáveis?
Notas de rodapé:
[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
[2] Fonte: Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de São Paulo (Sesvesp). Disponível em: http://arquivos.sesvesp.com.br/newsletter/ESSEG.PDF (2017).
[3] Fonte: página da Embrasil Segurança Privada. Disponível em: http://www.embrasilseguranca.com.br/informativos/brasil-lidera-mercado-de-seguranca-privada-das-americas/
Para outras pesquisas sobre segurança, ver a página Small Arms Survey, disponível em: http://www.smallarmssurvey.org/home.html .
[4] Em 2014, o Estado de são Paulo contava com 183.367 seguranças privados e 89.478 policiais militares. Fonte: http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-deficit-de-20-mil-policiais-em-seu-efetivo/ (2014).
26/01/2018 @ 08:41
Na minha opinião. os políticos, que não amam o País nem a “pau”, poderiam propor Leis para punir com rigor quem cometer algum crime, seja qual for, com diferentes tipos de penas. mas jamais ser algo brando. o criminoso em sí tem que pensar mil vezes antes de cometer algum delito. não como é hoje, que fazem e não tem medo. também o governo tem que criar medidas para ressocializar os presos. eu acredito que a educação, o trabalho e um ambiente de respeito e conforto é um grande aliado nisso. e nossos profissionais da segurança tem que ter todo amparo do governo para serem fortes perante o criminoso. não sou a favor da tortura. jamais!!! o preso é um ser humano que errou, como em qualquer situação da vida e merece voltar a ser um cidadão de bem. e qualquer pessoa, menos quem tem problema mental ou algo do tipo. pode voltar a viver em sociedade. infelizmente esta tudo bagunçado no nosso País. os direitos humanos, como já diz, é para todos. sem exceção. do mendigo da ponte, até o dono da Rede globo.
27/03/2021 @ 08:44
Realmente,, os Direitos Humanos foi criado para todos sem distinção de cor, raça etc, e não pra bandidos.
09/03/2019 @ 16:22
Quero poder fazer parte