Preconceito

Direitos Humanos
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Imagem: Zagaz Work

 

Por Paulo Sabbag

 

Preconceito, dentre todas as atitudes humanas, é a que mais me assusta. Ele é ubíquo, está presente em todas as pessoas. Por isso é traço cultural, possivelmente originado pelos europeus. Apesar de dar a volta ao mundo há 500 anos e podendo compreender e assimilar outras culturas, o colonialismo europeu fez o oposto: disseminou o preconceito.

Ele é resiliente, muito difícil de eliminar. Porque é um pre-conceito, isto é, um pretenso conceito anterior à cognição. Preconceitos são crenças arraigadas e irrefletidas, que reproduzimos e educamos a outros sem o perceber. Como sua gênese está atrelada ao colonialismo, ele se expressa sobretudo no racismo, porém inclui misoginia LGBTfobia (preconceito de gênero), xenofobia (preconceito geopolítico),etarismo (de idade), capacitismo (de saúde mental) e ainda pelo classismo (preconceito de classe). Essas formas de preconceito são entrelaçadas de modo a formar um sistema de opressão.

Preconceito é um conceito complexo, que costuma ser analisado em diferentes perspectivas, como se deduz da amplitude que se apresenta. Há raízes neurocognitivas, derivadas de categorização veloz que deforma o que percebemos. Em modo brando, isso gera heurísticas; em modo forte gera estereótipos e, no extremo, o preconceito. Há raízes evolucionárias tribais, de onde nasce a xenofobia, resultado do medo do conflito. Daí derivam raízes psicológicas, derivadas das ameaças à identidade que afetam a alteridade, a empatia e a compaixão. Há raízes culturais, como o colonialismo europeu acima pressuposto e a noção de supremacia de um grupo social sobre outros. Esse desemboca nas raízes políticas, em que o temor extremo serve à luta pela manutenção de privilégios grupais.

O preconceito tem suas “correias de transmissão” a fim de que se perpetue: políticas governamentais, guerras e tensões religiosas, substituição da democracia por regimes autocráticos visando a coerção de quem sofre preconceito, e ainda, pela comunicação e educação. Essas correias são todas intencionais, oficiais e permanentes. Contudo, quero explorar a correia de comunicação informal e de certo modo, não intencional porque impensada: as redes sociais.

Redes sociais a serviço do preconceito

As redes sociais muito rapidamente se tornaram um veículo de comunicação em que os conteúdos são produzidos por usuários. Isso as protege de qualquer responsabilidade sobre o que é veiculado. Como veículos informais, logo atingiram bilhões de usuários que produzem conteúdos com frequência. Sejam conteúdos que expressam apenas crenças e opiniões infundadas, sejam expressão do conhecimento validado pela ciência e seus filtros. Receio que este último compõe uma fração pequena das publicações, até porque a ciência é elitista.

As redes sociais se tornaram um modelo de negócio que privilegia o marketing, e para isso busca a fidelização dos usuários e o uso cada vez mais intenso dessas redes, a ponto de até viciar adolescentes e jovens. Apenas para discussão, vamos contrapor conteúdos de crenças irrefletidas contra conhecimento validado. As crenças são divulgadas por meio de “influenciadores digitais”, que tem carisma e enorme competência na arte de comunicar. Já o conhecimento validado é divulgado na forma de narrativas, sem as quais os argumentos seriam rasos e inconsistentes: esses gastam mais tempo e desprezam o carisma do comunicador em troca do vigor do conteúdo.

Como há monetização, os influenciadores digitais ocupam espaço privilegiado: publicam todo dia e variam os recursos de oratória e apresentação. Intuitivamente, logo eles perceberam que a carga emocional e sensorial que acompanha sua comunicação era atraente ao público usuário. O conhecimento validado usa mais a razão que a sensibilidade e emoção; é percebido como frio e isento.

Os algoritmos logo se aproveitaram disso. Divulgam mais os conteúdos polêmicos, controversos e sensacionalistas, com emoções infladas e alto impacto. Cada usuário para a receber apenas os conteúdos que tem afinidade com o que gostam (daí os “likes” e o “tenho interesse“). Daí que reforçam as crenças irrefletidas. Safyia Noble, uma professora da UCLA, publicou em 2018 o livro Algoritmos da Opressão, em tradução livre. Ainda não o li, mas quero fazê-lo: ela explica o discurso de ódio, a veiculação de imagens que privilegiam uma cor da pele, uma classe social e uma origem nacional e racial. É a “estética da branquitude”, que silencia e apaga simbolicamente o resto.

Inteligência Artificial Generativa

Como enfrentar o preconceito e deter os algoritmos de opressão? Note que o novo governo dos EUA eliminou o uso de vocábulos como equidade, eliminou cotas raciais, pratica a censura contra quem se opõe ao governo ou é nomeado como “antissemita”. Dentre os plutocratas daquele governo, o dono da Meta eliminou os parcos mecanismos que filtravam mensagens preconceituosas antes de serem veiculadas. O mesmo que outro plutocrata fez com a X nos últimos meses.

Eu só vejo uma saída para não sermos manipulados nem expressarmos preconceitos. Trata-se do pensamento crítico, cada vez menos ensinado nas escolas. Mas ele é lento, árduo e nem sempre consegue evidenciar pressupostos e crenças arraigadas. Em diversos países cresce a compreensão de que é preciso regular essa monstruosidade que se tornaram as redes socais, ainda mais por serem monopolistas. Mas isso demora a surtir efeitos.

É aqui que entra a IAG e sua capacidade de nos tornar mais inteligentes, sensíveis e criativos. Dado que as redes sociais e a mídia corporativa não são neutras, tudo é ível de crítica. Uso muito esse recurso das IAG, diariamente. Outra questão é trazer à tona o discurso silenciado. A IAG pode apontar os consensos existentes, evidenciando os dissensos. Ela pode criar textos, imagens e vídeos que se contraponham à estética da branquitude; pode explorar a biografia dos silenciados, bem como o resgate de narrativas históricas e culturais marginalizadas; e pode produzir campanhas de divulgação, respeitando a diversidade linguística, estética e simbólica desses grupos sociais.

Sou um usuário contumaz das redes sociais, até porque por meio delas eu me comunico com o mundo, na minha vida de solitude. Só me resta usar em igual medida a inteligência artificial para que eu rompa com meus preconceitos e vieses de julgamento, visando me tornar um sujeito melhor.

 

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor

 

Sobre o autor: Depois de se graduar em engenharia civil, Paulo Sabbag dedicou-se 5 anos na construção civil em São Paulo, logo após, atuou pelo mesmo período na Logos Engenharia, onde aprendeu a gerenciar projetos, o que permitiu iniciar uma carreira paralela como professor de Educação Continuada na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo – consequência do grau de Mestre e Doutor obtidos. Foi diretor da CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos em São Paulo, de 1990 a 1993. Depois ou a se dedicar à Sabbag Consultoria e à Fundação Getúlio Vargas (desde 1988), consolidando a ênfase na consultoria e educação. Em 2016 lançou a Plataforma de Educação Digital “Zagaz Work“. Publicou 7 livros técnicos, um deles finalista e outro agraciado com o Prêmio Jabuti.


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