Os piromaníacos e o nosso direito a um céu azul

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Imagem: Adobe Stock.

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite

“Estamos fumando florestas, canaviais e matagais”. Esta frase do Professor Paulo Saldiva, referência mundial em pesquisas sobre os efeitos da poluição na saúde humana, da Faculdade de Medicina da USP, resume o horror que presenciamos nas últimas semanas. Os danos não se restringem ao sistema respiratório; aumentam também as taxas de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Infelizmente, o brasileiro não encara os problemas ambientais como motivo de indignação social e política. Isso é muito grave. Ainda acreditamos que Deus nasceu aqui, e que o fato de grandes regiões da Amazônia, Pantanal e Sudeste estarem em chamas, exalando nuvens de fumaça, é um problema regional, corriqueiro e sazonal. Nada mais delirante.

O que está nos cegando? O que está nos distraindo? Uma coisa é certa: ainda não nos livramos da névoa cognitiva imposta pela pandemia. Saímos diferentes. Houve uma ruptura no fio da continuidade da existência e um amortecimento diante da doença e da morte.

Além disso, a tecnologia estreitou nosso campo de visão. O que nos cerca importa cada vez menos. A virtualidade supre — ou tenta suprir — os desejos e se torna companheira inseparável, a ponto de confundirmos qualquer tentativa de regulamentação das mídias sociais como antidemocrática em si. Afinal, temos que ser “livres”. Liberdade tem a ver com possibilidade de escolha. Estamos livres, mesmo presos às telas dos celulares?

A partir do momento em que a fumaça das queimadas atinge meus pulmões, perdi a capacidade de escolher. Não há como escapar. A ditadura da liberdade irrestrita — inclusive a de incendiar — restringe meu direito básico à saúde e à esperança.

Independentemente de seu espectro político-ideológico, inspire. Expire. Nada mudou? Ou algo mudou? O ar está seco? Não chove há meses? Há dúvida de que isso afeta a todos? Aquele sol avermelhado ou rosado sob um céu de chumbo não escolhe perfil. Por que somente os políticos não enxergam? Será que também estamos fazendo vistas grossas, mesmo tossindo quase todos os dias?

Estudiosos da saúde mental têm identificado uma nova entidade: a ansiedade climática ou ecoansiedade, que ocorre especialmente entre os jovens. A mudança climática se tornou uma fonte crescente de estresse e ansiedade, pois aglutina dois sentimentos negativos muito poderosos: impotência e incerteza em relação ao futuro.

Muitos brasileiros já vivem essa realidade: populações enfrentam perdas materiais, migrações forçadas e traumas psíquicos, contribuindo para o surgimento e o agravamento de transtornos ansiosos e depressivos. Pior ainda: a crise climática agrava a desigualdade, pois as populações mais vulneráveis, como indígenas e quilombolas, estão na linha de frente da degradação ambiental.

E o direito ao céu azul? Estudos mostram que o contato com a natureza é benéfico para a qualidade de vida e bem-estar emocional. A falta de espaços verdes é um fator de risco reconhecido para sofrimento mental nas grandes cidades. Confesso que assistir aos focos de incêndio no interior do estado de São Paulo, onde vivo, agravou minha ecoansiedade.

O direito dos piromaníacos ou dos negacionistas não pode estar acima do direito de termos um ar mais puro ou, ao menos, um céu que não seja cinzento e esfumaçado. Que tenhamos a liberdade para despertar enquanto ainda é possível reconhecer a maravilha da natureza. Que as futuras gerações também possam fazê-lo.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “Psiquiatra da Sociedade”.


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