Ansiedade entre crianças e jovens supera índice em adultos pela 1ª vez no Brasil

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Pela primeira vez na história, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos, mostra análise da Folha a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS; plataforma oferece dados de 2013 a 2023.

Imagem: Adobe Stock

 

Pela primeira vez na história, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos, mostra análise da Folha a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS; plataforma oferece dados de 2013 a 2023.

Com um crescimento expressivo nos últimos anos, a taxa de pacientes de dez a 14 anos atendidos pelo transtorno é de 125,8 a cada 100 mil, e a de adolescentes, de 157 a cada 100 mil. Já entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa é de 112,5 a cada 100 mil, considerando dados de 2023. A situação dos mais jovens ou a ficar mais crítica do que a dos adultos em 2022.

Não há apenas uma causa que motive esse aumento, mas alguns apontamentos são comuns para especialistas e citados em diferentes estudos: crises econômicas, climáticas, autodiagnósticos simplistas e uso excessivo de celulares e jogos.

“Estudos diversos e rigorosos mostram uma piora na depressão e na ansiedade, e a pandemia se mostrou muito pior do que os estudos previam”, avalia Guilherme Polanczyk, psiquiatra da infância e adolescência e professor da Faculdade de Medicina da USP. “Mudanças culturais e sociais fortes aconteceram na última década, e muitas associadas às redes sociais, embora seja perigoso atribuir o problema só a elas.”

De modo geral, dados mostram que a piora em índices de saúde mental se acentua a partir da segunda década dos anos 2000. Além do maior o à informação pela internet, o período é marcado pela popularização do smartphone, com as câmeras frontais para selfies, das redes sociais e dos jogos online.

Há anos, estudiosos se debruçam sobre a relação entre a tecnologia e o comportamento humano, em especial entre crianças e adolescentes, que ainda não desenvolveram todo o sistema de autocontrole. Já se sabe, por exemplo, como as redes sociais têm mecanismos designados a viciar, e não à toa já existe lei para proibir o uso dessas plataformas antes dos 14 anos, caso da Flórida, nos Estados Unidos. Em São Paulo, deputados estaduais aram a discutir a proibição de celulares nas escolas.

A incidência de transtornos e indicadores relativos à saúde mental foi investigada a partir de três bases de dados. A notícia não é boa: o Brasil segue a mesma tendência de piora para casos de suicídio, lesões autoinfligidas, ansiedade, depressão e sentimentos negativos de adolescentes no convívio escolar.

No caso do suicídio, problema historicamente mais masculino, um dado chama a atenção. Há uma evolução do problema entre meninas de dez a 14 anos, com alta de 221%, de 2000 a 2021, contra aumento de 170% dos meninos.

Outra conclusão preocupante é uma queda no chamado senso de pertencimento escolar. No Brasil, 91,4% das crianças diziam fazer amigos com facilidade na escola no início do século, número que caiu para 86,3% em 2012 e despencou para 69,6% em 2022. A informação vem do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), coordenado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A sensação de solidão também cresceu. Em 2000, 8,5% dos alunos afirmavam que se sentiam sozinhos. O número saltou para 26,6% em 2022. Além disso, no começo do século, só um em cada 20 estudantes se sentia estranho ou excluído. Em 2022, esse sentimento foi relatado por dois em cada dez alunos.

A Pesquisa Nacional de Saúde feita pelo IBGE mostra que a incidência de depressão cresceu em todas as faixas etárias entre 2013 e 2019, anos com dados disponíveis. Entre pessoas de 18 a 21 anos, a taxa de depressão ou de 2,47% para 6,23%, aumento de 152,5%.

O aumento de transtornos e do sentimento de solidão pode indicar dois caminhos: ou os jovens estão falando mais de suas emoções e procurando mais ajuda do que no ado, ou estão fazendo e recebendo diagnósticos errados.

“Embora o estigma sobre falar de saúde mental tenha diminuído, temos um novo risco, o do superdiagnóstico em um sistema de saúde que tem muitas fragilidades, como tempo escasso dos profissionais e uma simplificação excessiva. O risco é de um aumento expressivo, mas isso não significa que temos esse aumento tão grande de transtornos”, diz Polanczyk, da USP.

 

Suicídio

É preciso ponderar que, mesmo que haja um excesso de diagnóstico, os índices mais graves, como de lesões físicas cometidas pela própria vítima e suicídio, também aumentaram mais entre os jovens do que entre os adultos.

Segundo o SUS, houve uma alta maior entre meninas de dez a 14 anos em casos de suicídio e em internações de lesões do tipo, cujas notificações aram a ser obrigatórias em 2011. Além disso, atendimentos de depressão tiveram alta de 663% nessa faixa etária contra alta de 301% para os meninos da mesma faixa etária. Em relação a ansiedade, o aumento foi de 398% para meninas dessa faixa ante 251% dos meninos. Já no grupo de 15 a 19 anos, somente em casos de suicídio homens tiveram um aumento maior.

“Sabemos que meninas vão sofrer um efeito maior, especialmente se estiverem consumindo conteúdos que vão mexer com a autoestima delas, com a questão corporal, ou se elas am por violências dentro das redes sociais”, afirma a psicóloga Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e mestre em saúde pública na área de saúde mental pelo Karolinska Institutet, na Suécia.

 

Fonte: Folha de São Paulo