Psiquiatras, psicanalistas, neurocientistas: Narrativas em disputa pela primazia na saúde mental brasileira

Compartilhar

saúde mental
Foto: Adobe Stock

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite

A saúde mental se tornou uma pauta permanente na mídia brasileira. Após um longo histórico de obscurantismo, falamos mais abertamente sobre depressão, pânico e medicamentos psiquiátricos; o que era improvável até o início deste século.

Estudei medicina na segunda metade da década de 1990 na Universidade de São Paulo e parte do fascínio relacionado à psiquiatria residia no seu lado misterioso, bizarro e sombrio que nos desafiava. Na época, os médicos que se especializavam na área eram quase estigmatizados. Atualmente, tornou-se uma das residências médicas mais concorridas no país.

Paralelamente, o mercado em saúde mental cresceu vertiginosamente: medicamentos, internações, terapias, palestras, projetos, produtos, influencers, coachers e gurus são consumidos por uma sociedade que tanto quer aliviar e compreender o próprio sofrimento quanto aprimorar sua performance social e buscar bem-estar. Desta forma, a tarefa da opinião pública de discernir o joio do trigo é bastante complicada.

ar as mídias sociais é ser soterrado por uma avalanche de promessas em saúde mental. Lembre-se: saúde mental é terreno de singularidades. A intervenção que foi benéfica em um indivíduo não necessariamente se repetirá em outro. Busque psiquiatras e terapeutas com trajetórias universitárias e acadêmicas consistentes e com tempo de atuação mínimo. Outra lição: não existem respostas simples neste campo. Explicações como “a sua serotonina está baixa” carecem de e científico. Desconfie de benefícios extraordinários e rápidos. Busque segundas opiniões, não para confirmar o que você gostaria de ouvir, mas para corroborar o que necessita de fato. Atenção diante de qualquer demonização ou polarização nos tratamentos. Existe uma ideia tácita de que medicações psiquiátricas são nocivas, que tratamentos alternativos e psicoterapias são somente benéficas, por exemplo. Uma terapia conduzida por um profissional pouco ético ou mal-intencionado pode causar traumas e sequelas psíquicas, assim como a utilização descuidada ou excessiva de medicações psiquiátricas pode gerar disfunções significativas na saúde das pessoas.

Todos os campos do conhecimento são complementares e não substitutivos. Desta forma, profissionais que enaltecem seu próprio campo de atuação e diminuem ou criticam outros não contribuem para o debate necessário. Infelizmente, para além da diversidade epistemológica (ou seja, diferentes formas de produção de conhecimento sobre os fenômenos mentais), existe uma realidade de competição por mercado e espaço profissional nas entrelinhas.

É provável que a saúde mental esteja no limiar de uma mudança de paradigma e isto é urgente e desejável. Tudo que se relacionar com multidisciplinaridade e integração entre áreas de pesquisa (neurociências) áreas clínicas (psicologia, medicina, psiquiatria), ciências humanas (sociologia, antropologia, filosofia, epistemologia, linguística) e tecnológicas (IA, ciência de dados) contribuirá para melhores tratamentos e estratégias de prevenção em saúde mental. Estamos realmente precisando disso.

*

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.


Compartilhar