Vendedor de Sonhos
Um olhar sobre como a atividade de friendraising é mais importante que a de fundraising

Por Edmond Sakai
Nossa profissão, captador de recursos ou mobilizador de recursos, pode ser como a sociedade nos intitula, mas não é o que fazemos. Nosso objetivo final não é arrecadar dinheiro, mas sim encontrar pessoas que compartilham do mesmo ideal da ONG, seja ela do meio ambiente, direitos humanos, assistência humanitária, seja ela de proteção de crianças em situação de vulnerabilidade. Somos assim friendraisers.
Você, cara leitora e leitor, deve estar agora pensando que é um capricho de quem te escreve. O que quero enfatizar é que deveríamos criar uma cultura de que vendemos sonhos ao buscar aliadas(os). E as doações são apenas resultados desta aliança bem construída.
Acho, aliás, que é uma das melhores profissões que existem. Somos remunerados para fazer amizades e, junto com amigas(os), ajudamos pessoas a terem uma vida melhor. Ou seja, salvamos vidas e mudamos o mundo, literalmente.
Esclareço, antes, que não há nada de errado em dizer “captação ou mobilização de recursos”. O que destaco, baseado na assertiva dos parágrafos anteriores, é o foco do nosso trabalho, que é construir relacionamentos e não simplesmente ficar correndo atrás do dinheiro. Não é o nosso fim. O dinheiro, repito, é o corolário natural de qualquer estratégia que tenha como escopo cultivar uma relação de médio e de longo prazo. Doadoras(es) não são “carteiras” o que significa que é importante trabalhar o “envolvimento”, pois é este que levará ao “investimento”. Imagine você, no primeiro encontro, dizer a (ao) potencial namorado(a) que você quer casar… não vai dar certo.
Além disso, espresso a necessidade de se ter uma estratégia, pois há profissionais que acham que basta escolher um pote de dinheiro, seja empresa, seja indivíduo, e conseguir uma reunião. Isso não funciona, te garanto.
Desta maneira, para cada potencial amiga(o) uma estratégia precisa ser feita contendo, em termos gerais, os seguintes pontos:
I. perfil da empresa ou biografia do indivíduo;
II. situação financeira da empresa ou do indivíduo;
III. potencial de investimento social ou de doação da empresa ou do indivíduo;
IV. objetivos de longo prazo desejados com a empresa ou indivíduo;
V. os necessários para se alcançar tais objetivos;
VI .ações e quem da ONG as implementará;
VII. ações filantrópicas da empresa ou do indivíduo;
VIII. círculo de influência da empresa ou do indivíduo;
IX. potenciais riscos para a ONG ao receber investimento/doação de tal empresa ou indivíduo; e,
X. se houve ou não algum relacionamento prévio com a ONG.
A propósito, deixe-me fazer outra observação. Todos que trabalham ou são voluntários no Terceiro Setor são sim friendraisers também (não é somente staff da ONG). O que isto significa? Significa que todos têm colegas, amigas(os) e parentes que poderiam abrir portas, doar ou voluntariar. Basta que se faça um pedido ou apresente a pessoa à área de Captação ou Mobilização da ONG, que tem a tarefa de implementar o conhecido “Ciclo da Captação de Recursos” (também conhecida como “Régua de Relacionamento”).
Abaixo o “Ciclo” e uma breve descrição de suas etapas:
1.Identificação: da empresa ou do indivíduo, geralmente HNWI-High-net Worth Individual. Deve ser potencial doador(a) ou influenciador(a) ou “abridor(a) de portas” ou patrocinador(a).
2.Qualificação: entrará no pipeline aquela empresa ou HNWI que responder positivamente ao “CIA”. Isto mesmo, acrônimo da Agência de Inteligência dos EUA para ser mais fácil de ser lembrado. O que é isso?
-C (capacidade): empresa ou HNWI deve ter recursos financeiros ou capacidade de influenciar ou “abrir portas” ou patrocinar.
Ter uma estratégia – aquela mencionada lá acima – é importante para determinarmos o que queremos. Com empresas, devemos focar preferencialmente em um ask por investimento financeiro embora não neguemos o apoio não-financeiro como, por exemplo, em mercadorias.
-I (interesse): empresa ou HNWI deve ter interesse pela causa da ONG.
-A (o): profissional da captação de recursos, isto é, o friendraiser deve ter o ou conseguir o contato da empresa ou HNWI.
3.Cultivação: manter o relacionamento por meio de emails ou contatos telefônicos (que avancem a relação, isto é, propositivas), convites a eventos da ONG, visitas aos programas da ONG, envio de relatórios de atividades, envio de notas quando saem na imprensa, TV, entre outros.
4.Solicitação: ask é feito por meio de uma proposta que é baseada em uma estratégia.
Tradicionalmente, com empresas, como já dito, fazemos um pedido de investimento financeiro ou produtos.
Com HNWIs pode ser ou pedido de investimento financeiro ou para influenciar algo/alguém ou “abrir portas” ou ainda patrocinar evento íntimo (jantar ou chá da tarde) na residência para que HNWI apresente seu círculo íntimo de contatos com capacidade financeira ou de influência.
5.Fidelização: feito por meio da entrega (impactos qualitativos ou quantitativos) do que se prometeu na proposta financiada pela empresa ou HNWI.
Uma vez terminada a fidelização, como se vê no círculo acima, voltamos a etapa 3, “Cultivação”, em que continuamos o relacionamento com o intuito de conseguir um outro investimento financeiro.
Outro ponto interessante que sempre escutamos é: “Doação no Brasil é difícil, pois o país não tem uma cultura de doação”. Esta afirmativa poderia fazer sentido no ado, mas hoje está desatualizada. Com efeito, durante os momentos mais críticos da pandemia, mais de R$6 bilhões foram doados. O que ocorreu? Houve pedidos de doação. Como sabemos, se não pedimos, não ganhamos. E se depois que ganhamos, não prestamos as devidas contas, não ganhamos nunca mais.
Em outras palavras, faria mais sentido dizer o seguinte: “Doação no Brasil é difícil, pois o país não tem uma cultura de pedir doação”. Isto porque sabemos que as pessoas não gostam de ficar pedindo dinheiro. Como resolvemos? Basta pedi-las para “serem amigas” primeiro (sem menção a dinheiro), isto é, sejamos antes friendraisers.
Por fim, considerando tudo o que foi exposto acima, vemos que no Brasil, com um povo caloroso, friendraising é mais fácil que fundraising, pois é uma cultura que tem o fito de construir relacionamentos sustentáveis (seja com indivíduos, fundações, seja com corporações) em prol de um mundo mais justo e igualitário. É por isto que considero que somos “vendedores de sonhos”.
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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em istração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.
07/06/2023 @ 10:41
Acho que os debates sobre temas diversos, são importantes no universo do Terceiro Setor, o aprimoramento e ampliação dos conhecimentos individuais e coletivos, fortalecem as idéias das ações necessárias, para modificar e melhorar as desigualdades entre as classes menos favorecidas nesse horizonte de precariedade social nas comunidades.