20 anos depois, ensino antirracista no Brasil ainda não é realidade
Sancionada há duas décadas, lei de ensino sobre cultura afro-brasileira permitiu destaque ao tema, mas abordagem é frágil, afirma especialista

Por Julia Bonin
Há vinte anos, foi sancionada a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino sobre as histórias e culturas afro-brasileira e indígena nas escolas de ensino fundamental e médio, tanto públicas quanto particulares. No entanto, a medida encontra dificuldade para se tornar efetiva em todas as escolas do país.
De acordo com o Relatório Luz, estudo que monitora o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, a meta 4.7, relacionada à educação de qualidade, está em retrocesso. Essa meta propõe que, até 2030, sejam promovidas políticas de educação em direitos humanos, incluindo ações nas escolas para o enfrentamento do racismo e sexismo, o que não tem sido feito, segundo a análise.
De acordo com Washington Góes, técnico de programas do Cenpec e especialista em Cultura, Educação e Diversidade Étnico-Racial, fala sobre as mudanças que a lei de 2003 trouxe para a sociedade: “O mais importante, nesses 20 anos, foi a visibilidade que a temática ganhou no cotidiano escolar, contribuindo para que, de alguma forma, as questões étnico-raciais saíssem do silenciamento no âmbito da educação escolar. Apesar das normativas, as políticas curriculares ainda são frágeis em relação ao ensino deste conteúdo”
O estudo Diversidade Étnico-Racial, Cultura e Cidadania – Diálogos com as Ciências da Natureza analisou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que pauta o ensino de todas as escolas brasileiras de Ensino Básico, e revelou que havia poucas diretrizes para a educação antirracista no país. Em suas seiscentas páginas, a palavra “raça” foi mencionada somente duas vezes, “étnico-racial” também duas vezes e “racismo”, apenas quatro vezes. Washington comenta que, “em geral, as questões relacionadas à história e cultura afro-brasileiras aparecem de forma superficial e reducionista no documento”.
Neste ano, o Observatório da Equidade Racial na Educação Básica preparou um acervo digital sobre o tema, composto por mais de 50 conteúdos produzidos pelo Edital Equidade Racial na Educação Básica, iniciativa do Itaú Social e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). As produções envolvem teses acadêmicas, artigos, e-books, jogos didáticos e livros, disponibilizadas com o objetivo de promover a educação antirracista no Brasil.
O diretor executivo do CEERT, Daniel Bento Teixeira, conta que muitos professores relatam a necessidade de formação específica e de materiais de apoio para trabalhar a cultura e a história afro-brasileira e relações raciais na escola.
“A formação étnico-racial pode contribuir para o fortalecimento da identidade positiva de pessoas pretas, uma vez que a história e cultura afro-brasileira são abordadas de uma forma apreciativa, rompendo com estigmas e estereótipos”, complementa Washington. “Não esperamos que a educação, por si só, vá eliminar o racismo, mas acreditamos que ela pode ser uma via eficiente para fortalecer a sociedade para o enfrentamento”.