A líder indígena que pregava a paz, mas foi traída e morta pelos colonizadores

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Anacaona recebeu os colonizadores com grandes festas, cantos e danças, como era de costume; no entanto, foi traída e teve seu povo massacrado. Campanhas sangrentas dos colonizadores e uma série de epidemias reduziram a população de La Hispaniola, das 500 mil pessoas estimadas na época da chegada de Colombo, para apenas 60 mil nativos.

Anacaona, a Flor Dourada. Ilustração para La Civilizacion de Don Pelegrin Casabo Y Pages (Mir, Tarradas, Comas, 1881–82)

Acredita-se que Anacaona tivesse 18 anos de idade no dia 5 de dezembro de 1492, quando Cristóvão Colombo e sua tripulação chegaram à ilha que os nativos chamavam de Quisqueya (“mãe de todas as terras”), Bohio (“casa dos taínos”), Babeque (“terras do ouro”) e Ayti. Os europeus batizaram a ilha de La Hispaniola, hoje dividida entre o Haiti e a República Dominicana.

Naquela época, a ilha era principalmente dominada pelo povo taíno. E, segundo De las Casas, havia cinco caciques, cada qual responsável por uma região da ilha — os cacicados.

Anacaona mudou-se para viver com seu irmão Bohechío, na vizinha região de Jaragua. Ali, ela era “respeitada e temida” como o cacique, segundo Gonzalo Fernández de Oviedo.

Pouco depois, chegou à região Bartolomeu, o irmão mais novo de Cristóvão Colombo. E, mesmo com a deterioração das relações com os conquistadores, Anacaona convenceu Bohechío a reconhecer a soberania dos reis católicos e comprometer-se a pagar um imposto que já era cobrado em outras regiões da ilha.

Os cronistas da época relatam que a visita de Bartolomeu Colombo foi um evento festivo, marcado por celebrações. Os presentes foram tantos que ele precisou fretar uma caravela para poder transportá-los. Em 1502, Anacaona, cacique de Maguana, perdeu seu irmão. E, em reconhecimento ao seu valor e inteligência, ela foi nomeada cacique da “coluna vertebral” da ilha: Jaragua.

Naquela época, La Hispaniola estava abalada. Havia ocorrido uma rebelião de espanhóis frustrados, além de um levante de diversos caciques indígenas que lutavam contra os invasores.

O novo governador das Índias — o comendador de Lares, frei Nicolau de Ovando — propôs-se a pacificar a ilha. A longínqua região de Jaragua estava na sua mira, não só porque ali se haviam refugiado os rebeldes espanhóis, mas também porque haviam chegado rumores de que Anacaona e outros caciques estariam conspirando contra a coroa espanhola. Por isso, as ideias de “pacificação” do governador e da cacique eram muito diferentes.

Em um domingo de julho de 1503, Anacaona recebeu Ovando na praça de Jaragua com grandes festas, cantos e danças, como era de costume. O governador chegou com 70 homens a cavalo e 200 andarilhos.

Compareceram também à celebração dezenas de caciques, súditos de Anacaona. Ela foi uma das últimas a chegar à praça, acompanhada da filha e de outras líderes mulheres.

Depois de várias demonstrações das celebrações dos taínos, os homenageados convidaram os indígenas a reunir-se em uma choupana para retribuir as honras com um espetáculo próprio.

Entusiasmados e desarmados, os caciques e seus acompanhantes reuniram-se em uma casa de madeira e palha. Enquanto eles presenciavam uma competição, Ovando deu o sinal combinado para seus homens, que os capturaram, amarraram e queimaram vivos.

Enquanto isso, outros espanhóis atacavam os indígenas que estavam no lado de fora. De las Casas conta que eles cortaram as pernas das crianças enquanto elas corriam. E, quando algum espanhol tentava salvar uma criança fazendo-a montar no seu cavalo, outro se aproximava e “atravessava a criança com uma lança”

Por vários meses depois do massacre, Nicolau de Ovando conduziu uma sangrenta campanha de perseguição contra os indígenas, até que foram quase exterminados da ilha, segundo Samuel M. Wilson no seu livro Hispaniola: Caribbean Chiefdoms in the Age of Columbus (“La Hispaniola: Os cacicados do Caribe no tempo de Colombo”, em tradução livre).

Suas campanhas sangrentas e uma série de epidemias reduziram a população de La Hispaniola, das 500 mil pessoas estimadas na época da chegada de Colombo, para apenas 60 mil nativos, segundo dados do censo de 1507 no Manual de la Historia Dominicana (“Manual da história dominicana”, em tradução livre), do historiador Frank Moya Pons. Traída Anacaona foi capturada e morta enforcada. O diretor do Museu de Anacaona afirma que ela “foi a rainha taína mais adorada pelo povo. Não baixou a cabeça até o último dia e deu sua vida por eles”.

Já Navarro a descreve simplesmente como “a líder máxima de toda a população, não somente nesta ilha [La Hispaniola], mas também em Porto Rico, Cuba e parte da Jamaica”.

Sua história é recordada em canções, como “Anacaona”, do cantor porto-riquenho Cheo Feliciano, e nos poemas que levam seu nome, escritos pela poetisa dominicana Salomé Ureña.

 

Fonte: BBC News Brasil


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